Podcast Café Brasil Premium 705 - Empreendedor - Meu Malvado Favorito

Data de publicação: 17/02/2020, 13:19

Meu, como tem empreendedor no Brasil! Parece que é o sonho de todo mundo: ser o dono da firma, não prestar contas pra ninguém, entrar na hora que quer, sair quando quer, tirar férias quando quiser, ganhar muito bem e explorar os funcionários. Que tal? Você se reconheceu nessa descrição? Não?

Hummm... tem que ver isso...

Bom dia, boa tarde, boa noite. Você está no Café Brasil e eu sou o Luciano Pires.

Posso entrar?

Ah.... trabalhador Brasileiro!!! Salário é pouco, não dá pra nada. Desempregado também não dá. E desse jeito a vida segue sem melhorar...

Ivanildo Terceiro é um profissional de comunicação que escreve para o Infomoney. Publicou algum tempo atrás um texto chamado “Seis coisas que você precisa saber antes de sair por aí falando que todo empresário é malvado.” Adaptei esse texto para o programa de hoje.

 

Ser empreendedor está na moda. Programas, reportagens e até mesmo uma série de documentários promete ensinar como empreender.

O empreendedorismo também é apontado como a solução para boa parte dos desafios que temos. A chave para sair da crise? Empreendedorismo. Resolver os problemas sociais? Empreendedorismo. Quer ficar rico? Seja um empreendedor!

O fenômeno é tão grande que criou até um subtipo: o empreendedorismo de palco. Misturando autoajuda e dicas de administração, os empreendedores de palco vendem palestras, livros, e cursos prometendo ensinar o segredo para abrir seu próprio negócio e ficar rico.

Apesar do momentum ser novo, o ato de empreender definitivamente não o é. Na pré-história, índios que viviam no litoral do atual território brasileiro trocavam sambaquis por cerâmicas com as populações que viviam no interior. Os habitantes da Ilha de Marajó, construíram entre os anos 400 e 1400 uma complexa rede comercial, trocando artefatos até com moradores das ilhas do Caribe. De fato, há evidências de que uma das principais vantagens do homem moderno sobre o home das cavernas foi sua capacidade de fazer comércio.

A despeito de ter sido uma das primeiras atividades humanas a gerar ganhos mútuos para os envolvidos, poucas profissões se tornaram tão odiadas como a do empreendedor. Inimigos de classe, exploradores, gananciosos, abusadores e às vezes simplesmente “malvados” são os adjetivos mais comuns para descrevê-los.

O Partido da Causa Operária (PCO) usa como slogan a frase “quem bate cartão, não vota em patrão”. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) afirma que os empreendedores são inimigos dos empregados. Gleisi Hoffman, senadora pelo PT do Paraná, acredita que a crise foi causada pelos empresários. Para o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, os donos de negócios são os responsáveis pela caótica situação do país.

Para o bem ou para o mal, empreendedores não têm uma vida tão fácil e poderosa. E Ivanildo enumera seis fatos para demonstrar algumas verdades sobre o empreendedorismo.

Vamos então aos seis fatos relacionados pelo Ivanildo Terceiro:

  1. A maior parte dos empreendedores, donos de microempresas, é composta de negros.

Não é incomum que nas charges publicadas por sindicatos o empreendedor seja um indivíduo branco, gordo, com uma cartola na cabeça, segurando um charuto fumado compulsivamente em uma mão e com a outra erguendo um chicote para castigar seus múltiplos funcionários.

É difícil encontrar algo mais distante da realidade do que essa representação. Ao contrário da visão propagada por partidos políticos e sindicatos, o empreendedor médio do Brasil é negro, dono de uma microempresa e começou seus negócios mais por necessidade do que por ter uma ideia inovadora.

44% dos empreendedores estudou no máximo sete anos, um tempo inferior ao necessário para terminar o Ensino Fundamental. Com pouca qualificação, se torna quase impossível produzir o suficiente para pagar o próprio salário e os 57% de impostos que incidem sobre a remuneração, restando apenas o trabalho informal.

No roteiro deste programa no portalcafebrasil.com.br, publiquei um link sobre a pesquisa que trata desse assunto:

https://exame.abril.com.br/pme/negros-ja-sao-maioria-entre-empreendedores/?fbclid=IwAR3Yd_NWmcVhj2SbFu13HuLkLrj123ld2-d35Bs798CK-Ar5V_0lLOaniOQ

Em alguns casos, como na crise gerada pelas políticas dos partidos no poder, até os empregos sem carteira assinada desaparecem. Nestas situações, o até então empregado se torna empreendedor apenas para continuar tendo alguma renda. Entre 2014 e 2015, o chamado “empreendedorismo por necessidade” subiu de 29% para 44% do número total de empreendedores.

Você já deve ter visto vários deles por aí, vendendo balas no sinal, pipoca no ônibus, oferecendo pequenos serviços de reparo, cortando cabelos e realizando sozinhos uma miríade de atividades. Afinal, 85% dos empreendedores trabalham por conta própria, e não têm funcionários para “chicotear”.

Som do disjuntor que cai

Opa! Caiu o disjuntor aí?

- Ah, Luciano, quem vende bala no farol não é empreendedor coisa nenhuma!

Bom, então tome mais uma vez a definição: empreender é agregar valor, saber identificar oportunidades e transformá-las em um negócio lucrativo.

Vender bala no farol é uma oportunidade. O vendedor ambulante de doces e balas Marcos Rogério, 32 anos, trabalha perto da rodoviária de São Paulo há 17 anos, e diz assim: “Ganho muito mais dinheiro vendendo balinha do que se eu fosse fichado. Sei trabalhar como pedreiro, sou eletricista formado, mas trabalhando por conta própria ganho mais do que um salário. Não daria para sustentar meus filhos e minha mulher, então me adaptei na rua”.

Rogério vende balas por opção, por achar que a oportunidade é melhor.

 

  1. Empreendedores não têm direitos trabalhistas.

Férias, jornada de trabalho de 8 horas por dia, FGTS, 13º salário e tantas outras coisas comuns na vida do empregado que tem CLT são completamente estranhas ao empreendedor médio.

43% dos empreendedores trabalham dez horas por dia. 51% simplesmente não tiram férias e, dentre os que tiram, apenas 3% o fazem por quatro semanas seguidas, como o trabalhador comum.

É verdade que os números vêm melhorando um pouco para o lado dos empreendedores. Entre 2003 e 2016, a jornada de trabalho média saiu de 49,98 para 45,48 horas semanais. Um número ainda maior que o limite imposto a quem é contratado pela CLT e bem distante da jornada média de 40,2 horas dos empregados registrados.

Não é difícil entender esses dados. Para muitos empreendedores, deixar de trabalhar significa deixar de ter seu “sustento”. Não é incomum que alguns permanecem nos seus postos de trabalho até conseguirem renda suficiente para comprar o alimento do dia. Outros simplesmente não têm alguém capaz de substituí-los temporariamente no seu posto para que possam tirar férias.

Como se isso não fosse o suficiente, um empreendedor que vai à falência não apenas pode sair de mãos abanando, tendo gasto a poupança de uma vida, como pode fechar sua empresa afundado em dívidas. No início de 2016, quase 60% dos microempreendedores individuais atrasaram os boletos de pagamento à Receita Federal.

 

  1. Empreendedores não fazem parte da classe alta.

Com pouca escolaridade, trabalhando muito e empreendendo por necessidade, a maior parte dos empreendedores brasileiros definitivamente não está entre as pessoas mais ricas do Brasil. De acordo com o Sebrae, 58% se enquadram na categoria de “baixa renda”, vivendo com menos de dois salários mínimos.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), os brasileiros que ganham mais de R$ 4.916 fazem parte dos 10% mais ricos da população brasileira. Entendeu? Se você ganha 5 mil reais por mês, está entre os 10% mais ricos do Brasil.

Sendo assim, 67,2% dos funcionários públicos federais, 44,6% dos servidores públicos estaduais e 20,5% dos servidores públicos municipais, estão entre os 10% mais ricos. Muitos funcionários públicos estão entre os 4% mais ricos e, em alguns casos, do 1% mais rico, já que receberem mais que R$ 27.432.

Não é o seu caso, que é funcionário público, professora, policia, bombeiro e ganha uma merreca? Lamento. Mas saiba que há muito mais funcionários públicos entre a elite mais abastada do que empreendedores. Portanto, generalizar empreendedores como elite econômica é uma bobagem.

E, ao contrário da maioria dos funcionários públicos, empreendedores não receberão aposentadoria integral, não podem parar suas atividades na pressão para que suas rendas aumentem e não terão aumentos concedidos no meio de uma das maiores crises da história do país. Entendeu o drama? Se você é funcionário público e reclama dos pequenos aumentos de salário, saiba que empreendedores não tem nenhum aumento. Só ganham mais se os clientes pagarem mais. Num cenário de crise, a situação complica com facilidade.

Na verdade, os empreendedores sempre são os primeiros a sentirem os impactos das crises.

Em 2015, 1,8 milhão de empresas fecharam suas portas – o triplo do ano anterior -, por diversas vezes deixando seus donos com dívidas que demorarão anos para serem pagas.

 

  1. O governo pega mais dinheiro das empresas que os próprios empresários.

Qual é a margem de lucro das maiores empresas do país? Os americanos responderam esta pergunta em uma pesquisa feita pela revista Reason e a média dos chutes foi surpreendente, incríveis 36%. Um número completamente fora da realidade.

Uma das companhias mais lucrativas do mundo, a Apple tem uma margem de lucro de 23%. Uma das maiores redes de varejo do planeta, a Wal-Mart tem uma margem de apenas 3,1%. De acordo com o professor da Universidade de Michigan Mark J. Perry, é como se em um mês com 31 dias, a companhia tivesse que usar 30 para cobrir seus custos, e tivesse um único dia de lucro. Em média, as empresas americanas têm margens de 6,22%.

No Brasil, as coisas não são tão diferentes. Os famosos Supermercados Guanabara operam com uma margem líquida de 1,1%. Para a Moinho Dias Branco, maior produtora de biscoitos e massas do país, a margem fica em 13%. A fabricantes de cigarro Souza Cruz vive com seus 26% de margem líquida.

Enquanto isso, 32% dos donos de micro e pequenas empresas gastam mais de 30% do seu faturamento pagando tributos, mesmo optando pelo Simples Nacional. Um valor muito maior que o retirado pelos empreendedores dos seus próprios negócios.

Sabia disso? Não? Então vou repetir: um terço dos donos de micro e pequenas empresas gastam quase um terço do seu faturamento pagando tributos, mesmo optando pelo Simples Nacional.

O sócio governo ganha mais do que o dono do negócio.

 

  1. Do ambulante ao dono da Google: empreendedores têm que resolver os problemas dos consumidores para sobreviver.

Você já deve ter visto essa cena em uma grande cidade: bastam as primeiras gotas de chuva para que uma multidão de ambulantes apareça ofertando guarda-chuvas, não é? Está com fome? Não é preciso procurar muito para achar alguém vendendo comida. A bateria do celular acabou? Ande alguns metros e verá alguém vendendo um powerbank.

São poucos os empreendedores que conseguem ter sucesso se aliando ao Estado e fomentando monopólios. Para a grande maioria, o único meio de receber dinheiro e crescer é agradando o consumidor, mesmo que isso signifique abandonar ideias às quais você está emocionalmente apegado. Quando a Microsoft sumiu com o botão “Iniciar” do Windows, os consumidores reclamaram tanto que a companhia recuou.

Alguns empreendedores levam isso muito a sério. Sam Walton, fundador do Wal-Mart, começou sua rede de lojas com um único estabelecimento no estado do Arkansas. Mesmo rico, continuou dormindo em motéis baratos e dividindo quartos com funcionários nas suas viagens de negócios. Para ele, cada centavo economizado era um centavo a menos que poderia se transformar em uma oferta na sua política de preços baixos todos os dias.

Do alto dos seus bilhões de dólares, Walton costumava repetir que o seu chefe era o consumidor. Ele, o consumidor, era o único capaz de destruir sua rede de supermercados apenas decidindo trocar o lugar em que fazia compras.

Empreendedores não tem segurança. Ou são bons em resolver problemas dos clientes, ou quebram.

Vamos então ao último ítem, o...

  1. O poder de lobby dos empreendedores é muito menor que o dos sindicatos.

O sistema corporativista montado por Getúlio Vargas criou sindicatos, federações e confederações para os empregados e para os patrões. Você provavelmente deve conhecer as poderosas Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), mas nunca deve ter ouvido falar da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Representando 54,6% dos empreendedores atuantes no Brasil, com participação ainda maior entre os de baixa renda, a CNC não tem assentos no conselho da Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (ApexBrasil), ao contrário da CNA e da CNI.

Quando Dilma Rousseff resolveu reativar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, prontamente convidou representantes da CNI, da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), das principais centrais sindicais e até o ator Wagner Moura, mas deixou a CNC de fora. De fato, no governo Dilma, fazer lobby funcionava. O Ministro da Indústria e Comércio era egresso da confederação da indústria e o do Trabalho vinha da CUT.

Não é uma surpresa que empreendedores tenham um poder de lobby tão fraco. Seus interesses são extremamente difusos e usualmente restritos a uma única cidade. Poucas pautas são capazes de unir todos os empreendedores do país, como a simplificação do pagamento de impostos. Por outro lado, centrais sindicais e as confederações da indústria e do agronegócio constantemente buscam os mesmos privilégios, como manipulação no câmbio e linhas de crédito subsidiadas.

No Congresso, são muito poucos os deputados ou senadores eleitos em defesa da facilitação do empreendedorismo. Já sindicatos e indústrias têm bancadas inteiras à sua disposição ou formadas por seus membros. Se existe uma força que move as decisões do governo, ela certamente não é o interesse dos empreendedores.

Que tal? Aprendemos hoje que a maior parte dos empreendedores é de negros, donos de microempresas. Que a maioria dos empreendedores ganham muito pouco. Que empreendedores não têm direitos trabalhistas. Que empreendedores não fazem parte da classe alta. Que quem tira mais dinheiro da empresa é o governo, não o dono. Que empreendedor só sobrevive se resolver todo dia, o dia todo, os problemas dos consumidores. E que o poder de lobby dos empreendedores é muito menor que o dos sindicatos.

E daí?

Daí que ser empreendedor é muito complicado, que empreendedor é alguém igual a você, não é o vilão que ensinaram para você. E que esse seu sobrinho progressista com cedilha que vive de dedo em riste criticando os donos das firmas, só vai entender o que é empreender quando tiver a empresa dele e passar a pagar os boletos.

Olha, eu estou de saco cheio com as simplificações, os rótulos e as mentiras que são contadas no Brasil para jogar uma classe contra a outra. Muito pouca gente sabe do que se passa nas áreas onde não atua, e tratar as outras classes com ódio não resolve nada. Mas é conveniente para alguns.

 

Tenha respeito por quem trabalha para si ou para os outros, na iniciativa privada ou no setor público. Tenha respeito por quem ama o que faz, sua a camisa para ganhar o pão de cada dia. Respeite quem paga impostos, perde o sono, priva-se dos momentos com a família para conseguir cumprir com suas responsabilidades ou manter suas empresas funcionando, criando empregos e progredindo. Respeite quem atende os clientes com carinho, os respeita e sabe que é deles que todos dependemos.

Tenha respeito pelo trabalhador brasileiro.

Guarde sua ira para os parasitas.

 

Para terminar, uma frase do empreendedor norte americano Jim Rohn:

Se você não está disposto a arriscar, esteja disposto a uma vida comum.

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