LíderCast 235 - Gilberto Lopes

Data de publicação: 23/03/2022, 18:15

Hoje a conversa é com Gilberto Lopes, o Giba, que é CEO da MyHelper, da Cuattro Trade Marketing, da PPR Digital e da Marco Marketing Brasil. Um empreendedor de primeira hora, com uma história admirável de superação. E que está impactando muitas vidas.

Luciano Pires: Bom dia, boa tarde, boa noite. Bem-vindo, bem-vinda a mais um LíderCast. O PodCast que trata de liderança e empreendedorismo, com gente que faz acontecer. Hoje, a conversa é com Gilberto Lopes, o Giba, que é CEO da My Helper, da 4 Trade Marketing, da PPR Digital, e da Marco Marketing Brasil. Um empreendedor de primeira hora, com uma história admirável de superação, e que está impactando muitas vidas.

Muito bem, mais um LiderCast. Como sempre, dando aquele pitaco sobre como é que esta figura veio parar aqui. Isso é um companheiro de paco de longa jornada, a gente se cruza no epicentro, sei lá, há 9, 10 anos, alguma coisa assim. E sempre naquela história, uma hora eu vou te entrevistar. Ah, vamos lá. No meio do caminho, nesses 9 anos, já aconteceu coisa que não acaba mais. Até que recentemente eu convidei ele, e ele veio gentilmente participar de uma live. Aí eu falei, "cara, agora você não escapa". "Estou indo para São Paulo semana que vem, vamos embora". Cá estamos nós. Meu caro, tenho 3 perguntas aqui, que eu abro a entrevista com elas. São as únicas que você não pode errar. Você pode chutar à vontade as outras, mas essas 3, você tem que ir na lata. Eu quero saber seu nome, sua idade, e o que que você faz.

Gilberto Lopes: Vamos lá, muito boa. Prazer estar aqui Luciano. Meu nome é Gilberto Lopes, todo mundo me chama de Giba, á muitos anos, tem gente que até estranha, quando fala que é Gilberto Lopes. Minha idade, 50 anos agora em outubro, dia das crianças. 12 de outubro, ao meio dia. E qual foi a última? Nome, idade.

Luciano Pires: E o que que você faz.

Gilberto Lopes: Ah, o que que eu faço. Essa é interessante, viu? Faz 2 meses, eu mudei o meu título no Linkedin, que estava CEO, e escrevi Fazedor. Eu tenho empresa Luciano, há 18 anos. Empresa de marketing, empresa de tecnologia. E hoje, emprego mais ou menos 700 pessoas, diretamente, CLT. Mas, sou, estou empresário. Tenho empresa de marketing.

Luciano Pires: Você é dono de firma.

Gilberto Lopes: Sou dono de firma. Exatamente, raiz. Tem que dar lucro.

Luciano Pires: Você sabe que isso é interessante, aconteceu comigo também. Eu até uso na abertura de umas palestras minhas, explicando a dificuldade que eu tive de dizer o que que eu fazia. Quando eu fiz uma transição de carreira, depois de 26 anos como executivo de multinacional, em 2008 eu saio, venho fazer o que eu faço hoje, Café Brasil. E a pessoa pergunta, "o que que você faz?". Cara, e agora, como é que eu conto o que que eu faço? Porra, eu sou um criador de conteúdo. Que merda é isso. Sou influencer, que merda é isso. E tudo que eu falava, era picadinho. Ah, eu sou palestrante. Tá bom, é um pedaço. Palestrante, é um canal de entrega. Sou escritor, é outro canal de entrega. Sou VídeCaster, mais um canal. Tudo que eu falava, era um canal de entrega de coisa. Sou empreender. Também sou, porque esse é meu business, né?

Gilberto Lopes: Claro.

Luciano Pires: Cara, foi difícil. Eu nunca consegui acertar o que era. Eu botei, sou um personal trainer de fitness intelectual, e foda-se.

Gilberto Lopes: você sabe que isso que você descreveu, as pessoas não estão conseguindo acompanhar essas mudanças. Vou dar um exemplo. No passado, uma farmácia, era apenas uma farmácia. Hoje você entra na farmácia, tem a farmácia, os cosméticos, e está começando a entrar comida. A padaria, era só uma padaria. Mas agora, a padaria também vende eletrônicos, coisas para celulares. E as profissões, são a mesma coisa. Eu também tenho lá, sou empresário, tenho empresa, fazedor, mas também tem palestra, tem influencer, tem mentoria. Eu também escrevo artigo. E fica realmente complexo das pessoas entenderem.

Luciano Pires: Tem uma mudança né cara, porque hoje a farmácia, a tendência da farmácia, assim como da padaria, é vender coisas de gente que vai em farmácia. Gente que vai em farmácia consome remédio, consome comida, consome coisa para pet, consome... Então, deixa eu pegar o perfil de quem entra na farmácia. E de repente aquilo vende tudo. Acho que o caminho é para isso, cara. A coisa mais complicada para nós hoje em dia, é a locomoção. A locomoção é foda. Pega uma cidade como São Paulo, é difícil. Se eu tiver que ir em 3 lugares para comprar uma coisa, eu prefiro comprar em um lugar só, mais caro, do que ter que me deslocar para 2, 3 lugares. E não era assim. Antigamente a gente, pô, deixa eu ver onde tem o melhor preço, vamos em 3 mercados. Agora, para. E com as compras online, muda mais ainda. Então os caras estão mudando o perfil.

Fui fazer um evento agora para rede de postos Sim, uma rede de postos de gasolina do Rio Grande do Sul. Cara, o que os caras estão fazendo lá, é coisa de cair o queixo. Um evento do interior do Rio Grande do Sul, Farroupilha o evento, e eu chego lá cara, em uma puta de uma convenção. E os caras com um conceito de posto, de serviço, posto de gasolina, que é um negócio assim, 10 anos afrente. Os caras foram para os Estados Unidos, estão trazendo loja de conveniências sem caixa, que você passa e compra tudo automático. Eu conversando com os caras, eles falando. Posto de gasolina é um negócio que, 70, 90% do nosso negócio é vender diesel e gasolina. Mas, está chegando uma geração de carro elétrico. E nós vamos ter que transformar o posto, em um lugar de conveniência, onde você também compra gasolina. E aí você começa a enxergar, por que não vender remédio? Então, vai ter haver uma desregulamentação. Isso vai virar de ponta cabeça.

Gilberto Lopes: Você põe seu carro para recarregar seu carro elétrico, você pode fazer uma reunião lá dentro do posto, em um espaço. Você usa o Zoom, você compra um negócio que você precisa. Eu estava vindo para cá caminhando, aqui é superperto do hotel, e aí no meio do caminho tinha um pet shop, eu ouvi um jazz, tinha um sax rolando. Olhei para dentro, tinha um cara tocando um sax. Eu entrei, curioso até a morte. E cara, o pet shop tinha um café, superdescolado. Todo arborizado, com jardim vertical, enfim, maravilhoso. Um cara tocando um sax, a galera comendo. Eu falei, gente, é um pet shop, ou é um café? É o que você quiser, é tudo. Porque as pessoas que tem os cachorros, os pets, tomam café.

Luciano Pires: Exatamente. Por que não? Já que o cara entrou aqui dentro, eu vou tirar dele tudo o que... Ou eu vou oferecer para ele, todos os valores que eu puder. Então cara, põe Correio na jogada, põe tudo o que você puder imaginar ali dentro. Então, vivemos tempos interessantes, cara. Vivemos tempos interessantes, de quebra total de paradigma, que vai ser interessante. Mas vamos lá, vamos contar a sua história. Nasceu onde?

Gilberto Lopes: Nasci em Osasco, São Paulo.

Luciano Pires: Osasquense.

Gilberto Lopes: Nasci em Osasco, São Paulo. Não conheço, não lembro, não tenho memória, porque eu fui embora de lá, tinha 5 anos de idade. Mas, eu nasci em Osasco, sou Osasquense.

Luciano Pires: Família grande, família pequena?

Gilberto Lopes: Família pequena. Pai e mãe baianos, nordestinos. O pai era zelador, falecido. A mãe era empregada doméstica, falecida também. E aí tinham 3 irmãos, eu e mais 2. Um faleceu com mais ou menos 18 anos. E aí ficou eu e minha irmã só. Então, minha família é bem pequena, bem pequena mesmo.

Luciano Pires: Isso é... para essas famílias que vem do Nordeste, isso é meio raro. Porque tem 5, 6...

Gilberto Lopes: Isso é raro. Eles migraram para cá, na década de 60, os dois.

Luciano Pires: Vieram de onde?

Gilberto Lopes: Vieram de Juazeiro do Norte. Aí eu nasci aqui na década de 70. Aí enfim, a gente tinha um problema de violência doméstica, minha mãe fugiu quando a gente tinha 5 anos. Foi parar na casa de uma amiga em Porto Alegre. Então, com 5 anos, eu de Osasco, fui para Porto Alegre.

Luciano Pires: Sua mãe de Juazeiro, para Porto Alegre. Foi do sol, e vai parar no frio.

Gilberto Lopes: Trocou a tapioca e a farinha de rosca, por um chimarrão.

Luciano Pires: E você com 5 anos de idade, chega no Rio Grande do Sul. É isso?

Gilberto Lopes: 5 anos de idade chego no Rio Grande do Sul, sem entender nada. A gente morava em um quarto, era um quarto que emprestaram para a gente no apartamento. Eu, minha mãe, minha irmã que é mais velha, e meu irmão. A gente ficou ali. Ela começou a procurar emprego de doméstica. Depois arranjaram uma escola para mim, um pouco mais tarde, eu não entrei na data certa. Eu entrei acho que um ano depois, com 8 anos eu entrei, em uma escola particular. Mas, foi isso. Aí fui dos 5 aos 20 anos, fui gaúcho. Aprendi a fazer tudo lá. Morei lá, tive uma experiência...

Luciano Pires: Não fazia ideia disso aí. Como é que era seu apelido, quando era...

Gilberto Lopes: Betinho. Porto Alegre, todo mundo, Betinho chegou. São Paulo, Giba. Na família, Gil, de Gilberto. Uma confusão. É o mesmo cara, Betinho, Giba, Gil.

Luciano Pires: Como é que você gosta de ser chamado?

Gilberto Lopes: Eu gosto de Giba, gosto bastante.

Luciano Pires: O que que o Betinho queria ser quando crescesse, cara?

Gilberto Lopes: O Betinho, queria ser motorista particular, porque aquelas historias, vamos começar as histórias. Minha mãe, era semianalfabeta, não estou muito, enfim, ela começou a trabalhar como doméstica. E aí cara, essas coisas da vida, ela foi começando a trabalhar para famílias ricas. E em uma dessas histórias, ela foi trabalhar para um cara que era pai, um senhor que era pai de um adulto na faixa dos 40 anos. E esse filho dele, era presidente do Deutsche Bank, banco alemão na América Latina, enfim. E aí minha mãe trabalhou com esse cara muitos anos, para um senhor, ele tinha algumas dificuldades de mobilidade, tinha Alzheimer, enfim. E aí o filho dele foi promovido para Nova Iorque, ia ser CEO dos Estados Unidos no Deutsche Bank, chegou para o pai e falou, vou levar você comigo, para eu poder te cuidar, e tudo mais. E o pai olhou para ele e falou, só vou se a minha empregada for junto. Minha mãe. Aí minha mãe chega em casa e falou, filha, tinha sei lá, meus 12 anos. Surgiu uma oportunidade assim, assim, estou em dúvida. Falei não mãe, pelo amor de Deus, vai. A gente tem essa vida aqui, que não tem dinheiro para nada, não tem casa, não tem carro, não tem escola. Falei vai, é em dólar, qualquer coisa é melhor do que o Brasil.

Luciano Pires: Que idade você tinha?

Gilberto Lopes: Eu tinha 13 anos. E aí minha mãe mal falava português, não sabia o que era inglês, foi parar em Manhattan.

Luciano Pires: Sua mãe foi cara?

Gilberto Lopes: Foi.

Luciano Pires: Puta, de Juazeiro do Norte, para Manhattan.

Gilberto Lopes: Juazeiro do Norte para Porto Alegre, Porto Alegre para Manhattan.

Luciano Pires: E largou os filhos lá?

Gilberto Lopes: Largou a gente em Porto Alegre.

Luciano Pires: Com quem?

Gilberto Lopes: A minha irmã mais velha. Minha irmã é 6 anos mais velha que eu. E aí sei lá, ela tinha seus 18, e aí a gente morava junto. Mas, tem mais história, porque ela ficou grávida aos 15. Então, são muitas histórias.

Luciano Pires: Quem? Sua irmã?

Gilberto Lopes: Minha irmã. E aí minha mãe foi para Manhattan, foi trabalhar lá, me mandava foto da estátua da liberdade, do apartamento que ela estava, cuidando do pai desse cara que era Deutsche Bank. Até que um dia, uma apresentadora de televisão muito famosa, chamada Barbara Harrison, da NBC, foi na casa desse CEO do Deutsche Bank, entrevistar o cara. Ela tinha um programa, um talk show, tem ainda, muito famoso lá, 40 anos no ar. E ela foi entrevistar esse cara, e o cara pediu para a minha mãe se podia fazer um feijão, arroz, enfim, uma comida brasileira. Minha mãe fez, e a mulher foi lá, com a equipe de televisão, e gravou uma entrevista com esse cara, e a mulher ficou encantada com a minha mãe. E ela deu um cartão para a minha mãe, e falou, me liga, quero conversar com a senhora.

Luciano Pires: Em que idioma sua mãe...

Gilberto Lopes: Espanhol, com português, sabe essas coisas? Meio isso, porque ela não falava inglês. E aí a minha mãe ligou para a mulher, a mulher falou, olha, queria que você viesse passar o final de semana aqui, mandou passagem para a minha mãe. A mulher morava em Washington DC. E a minha mãe, em Manhattan. E a minha mãe, a gente conversava por carta. Então, levava uns 25 dias para a carta chegar aqui. Então, ela mandava a história, um mês, eu recebia, escrevia, outro mês. Eram dois meses para ter essa vai, não vai, o que que você acha, enfim. E ela foi. Chegou lá, a mulher falou para ela, estou encantada com a senhora, queria que a senhora viesse trabalhar comigo. Minha mãe, pô, mas eu vim com fulano, não posso, não sei o que. A mulher morava em uma casa centenária, que era o estúdio da NBC dentro da casa dela. E lá, ela entrevistava as pessoas. E o terreno era tão grande, que tinha uma outra casa, tipo, para empregado. E a mulher falou para a minha mãe, olha, se a senhora vier, aquela casa ali vai ser sua. Minha mãe, tira uma foto, me mandou depois. Falei mãe, conversa com o cara, e fala que a senhora quer mudar. Ela conversou, saiu, e foi morar em Washington. Morou 9 anos em Washington DC, até o atentado do 11 de setembro, ela morou lá. E meu sonho de motorista, por que? Porque essa mulher era viúva, o marido tinha uma coleção de Harley-Davidson, tinha uma coleção de carros antigos. E a mulher falava para ela, traga o seu filho, que eu vou pagar para ele cuidar do ativo, do patrimônio de carros e motos do meu falecido marido.

Então, e tinha essa ideia fixa na cabeça, se ser motorista, em Washington DC.

Luciano Pires: E vocês provavelmente teriam ido?

Gilberto Lopes: Sim, sim.

Luciano Pires: Se não fosse Bin Laden.

Gilberto Lopes: Se não fosse Bin Laden. Mas, antes disso Luciano, eu tive o visto negado para o Estados Unidos sete vezes. Eu nunca consegui ir para os Estados Unidos, enquanto a minha mãe estava lá. Então, a Bárbara falou para a minha mãe, eu te ajudo, você vai ter um green card. Eu vou me envolver, você trabalha para mim. Mas, eu não vou fazer nada pelo seu filho. Eu sou uma pessoa pública, eu não posso ter problema aqui de imigração ilegal, então, eu preciso que você se resolva. Então, nesse período, eu fui crescendo. Minha mãe conseguiu o green card dela, um pouco depois, acho que eu tinha uns 18/19 anos. Legalmente, não dava benefício para o filho, se eu fosse menor, daria. Mas, eu já era maior de idade. E nessa época, eu era um cara... eu parei de estudar na sétima série, eu não tinha conta em banco, eu não tinha imposto de renda, eu não tinha imóvel no meu nome, não tinha carro. Então, eu ia no consulado, e aí o cônsul olhava e falava, garoto, cadê o seu imposto de renda? Não tenho. Onde você trabalha? Não trabalho. Você estudou? Não estudei. Você tem conta em banco? Não tenho. Denied, carimbava o negado lá. E eu não tinha inteligência, enfim, garoto, abandonado, sozinho, não tinha cabeça para pensar que eu precisava construir um histórico, precisava ter emprego fixo, ter renda, ter imposto de renda. Então, eu pagava, por exemplo, paguei aquela Student Travel Bureau, paguei U$ 6 mil dólares. Pedi para a minha mãe, ela mandou o dinheiro, e eu fiz uma matricula em uma escola de inglês em Washington para ficar 6 meses estudando inglês, como artificio para aprovarem meu visto. Nunca aprovaram, nunca fui. Eu fui para os Estados Unidos já como empresário, enfim, porque eu fui lá fazer um evento, para uma comunidade no México. Mas, no período que a minha mãe morou em Washington, eu nunca consegui ir.

Luciano Pires: Cara, que loucura, tua vida podia ser completamente diferente.

Gilberto Lopes: E meu sonho era ser motorista cara. Enfim, não tinha salário, não tinha renda.

Luciano Pires: Por que sua mãe resolve voltar para cá?

Gilberto Lopes: Minha mãe resolve voltar para cá, por causa do atentado. Ela morava em Washington, e no 11 de setembro teve os dois aviões das Torres Gêmeas. Teve um avião que ia para o Pentágono, e teve um avião que ia para a Casa Branca. E ela, lá em Washington, teve um pânico geral, os supermercados acabaram os suprimentos, as pessoas andavam de máscara nas ruas. Então, foi uma loucura generalizada. Nós ficamos sem contato telefônico 4 dias, os telefones não funcionavam lá. E aí ela pirou. No quinto dia que a gente conseguiu se falar por telefone, ela falou, filho, eu quero ir embora daqui imediatamente.

Luciano Pires: Eu quero voltar para a segurança do Brasil. Quero ir para o meu país que é muito mais seguro, o Brasil é muito mais seguro do que aqui.

Gilberto Lopes: Exatamente cara. E aí a gente organizou tudo, a Barbara implorou para ela não ir embora, enfim. E aí ela rapidinho, deu menos de 1 mês, ela estava aqui de volta.

Luciano Pires: Sem emprego?

Gilberto Lopes: Sem emprego, sem nada. Nesse período todo Luciano, ela nos mandou dinheiro, enfim, nos orientou. E aí a gente comprou dois imóveis aqui no Brasil, minha irmã comprou um carro, enfim, a gente deu uma organizada.

Luciano Pires: Quer dizer, ela segurou. Essa mulher, é uma heroína cara.

Gilberto Lopes: É uma guerreira cara, uma guerreira total. Ela transformou a nossa vida nesse período. Então assim, até os 50 anos, que foi quando ela vivia aqui, a gente não tinha nada. Assim, eu já dormi em cinema, em bar tem aquela mesa de sinuca, aí fechava a noite, a gente já dormiu ali muitas noites. A gente dormia em quartos de famílias que nos emprestavam. Enfim, uma situação muito ruim. Porque a grana, como doméstica, a conta não fechava. Ter um salário de, vamos supor hoje, R$ 1100,00 reais, e ter um apartamento. A conta não fecha, né? E só ela que trabalhava. Então, quando ela foi para lá, as coisas começaram a mudar muito, mas muito mesmo. E aí foi que a nossa vida deu uma transformada grande. Mas, foi tudo mérito dela.

Luciano Pires: Que loucura. Você acabou crescendo então... Você está falando sua mãe. Seu pai, nem tchum.

Gilberto Lopes: Meu pai, a última vez que a gente teve contato com ele, eu tinha lá os meus 5 anos de idade, quando minha mãe fugiu, separou, enfim. Depois cara, eu estava em Porto Alegre, eu estava virando adolescente, garoto de 14 anos, eu tinha vontade de falar com meu pai, eu tinha vontade de falar, pô, o cara vai me levar em um jogo de futebol. O cara vai pegar na minha mão. Pode deixar que eu pago isso aí. Tinha essa coisa do líder sabe? O pai, a referência. E aí eu falei com a minha mãe, e a minha irmã. Minha irmã falou com ele, eu peguei um ônibus e vim para cá. Viação Itapemirim, exatamente, 24 horas dentro de um ônibus, Porto Alegre - São Paulo. Ele morava na Freguesia do Ó.

Luciano Pires: Com 14 anos?

Gilberto Lopes: 14 anos. Precisava de uma autorização, é. E eu cheguei, cara, ele foi me buscar, e tinha uma relação de indiferença, sabe assim, para o cara não era um filho. Tipo, eu cheguei, já foi um choque quando eu cheguei, porque não teve beijo, não teve abraço. Deu um oi, é como se fosse um estranho, sabe? E aí na chegada, ele me pegou em um terminal rodoviário tiete. Na chegada, eu já senti uma coisa ruim no coração, falei, pô cara, é tipo um estranho, ele não tem relação nenhuma comigo. Aí fiquei uma semana com ele, assim, foi muito ruim. E aí eu voltei, e tipo assimilei, que não tenho pai, vou seguir a minha vida.

Luciano Pires: Já vi...

Gilberto Lopes: Isso, exatamente, não tinha uma relação.

Luciano Pires: E ele nem... ele morreu jovem?

Gilberto Lopes: Ele morreu jovem, 60 e poucos, de enfisema pulmonar. Começou a fumar com 13 anos de idade.

Luciano Pires: 60, você já começa a rever a sua vida. Em nenhum momento ele entrou em contato com você?

Gilberto Lopes: Não cara, nunca. Tanto que eu não fui no enterro dele, no velório, e a família, irmã dele, ligou para a minha irmã e falou, pô, o sonho do seu pai é que o filho dele estivesse aqui, seu irmão, tudo mais. Minha irmã veio falar comigo. Daí eu falei, pô cara, eu fui lá, tentei várias vezes, eu escrevi, quis conectar, enfim, eu tenho o nome do meu pai, Gilberto Lopes Ferreira Júnior, né, o nome do cara. Nunca... e agora os caras querem que eu vá no enterro? Não vou cara, nada a ver, para mim assim, não odeio o cara, mas... Enfim, não fui. A família ficou revoltada, mas, eu não fui, para mim não fazia sentido.

Luciano Pires: Eu fico pensando na cabeça dele, como é que um cara se desconecta assim, de 3 filhos, uma desconexão... Ele fez outra família?

Gilberto Lopes: Não, não fez, ficou sozinho, velho, amargurado assim, sabe? Eu realmente não entendo, porque eu acho que ninguém é obrigado a permanecer em um casamento que não está legal, que não quer, enfim. Mas, eu acho que seus filhos, você colocou no mundo. Querendo ou não querendo, é seu filho, tem que conectar. Mas enfim, não sei o que que rolou, nunca entendi.

Luciano Pires: Você não teve então esse exemplo paterno na sua educação? Ele não existiu?

Gilberto Lopes: Não, não, não existiu.

Luciano Pires: Foi mãe, mãe. Mae guerreira.

Gilberto Lopes: Mae guerreira, mãe tudo. Depois, assim, tive a referência do bom da mãe, guerreira, as frases clássicas dela. Meu filho, cuida do seu nome, porque seu nome é único. O patrimônio de pobre, é o nome. Então, você não pode sujar seu nome. Ela não tinha nada, mas, ela cuidava para não ir para o SPC, para não ir para o SERASA, sabe? Sempre isso. E ela também sempre falava, filho, você tem que trabalhar o triplo dos outros, porque você não tem nada, você é pobre. Então, sempre vai ser mais difícil. E eu via ela trabalhando horrores, trabalhava demais, cara. A gente pegou uma época de hiperinflação Luciano, e ela chegava em casa com o salário, ela vamos, vamos, supermercado. A gente corria no supermercado, os caras ali com aquelas maquininhas remarcando tudo.

Luciano Pires: Sarney.

Gilberto Lopes: Exatamente. Aí tinha...

Luciano Pires: 82,83, 84 por aí.

Gilberto Lopes: Sim. Tinha os investimentos over night, você colocava 1 mil cruzeiros em um dia, no outro dia era 1.100. Enfim...

Luciano Pires: Aquilo rendia que era uma maravilha. Mas, a inflação comia tudo, e a gente nem percebia, né?

Gilberto Lopes: Exatamente.

Luciano Pires: Era um mundo completamente diferente. A molecada que escuta a gente aqui, não faz ideia do que era aquilo.

Gilberto Lopes: Exatamente. E aí a minha mãe Conceição, dona Conceição, era um canhão. Ela trabalhava, cara, era uma máquina de trabalhar. Bem dura, me bateu muito, eu era uma criança que dava muito trabalho, muita dor de cabeça, era muito ativo, enfim. Mas, ela me educou. O que eu sou hoje, é por causa dela.

Luciano Pires: Que legal, nossas homenagens a dona Conceição.

Gilberto Lopes: Dona Conceição, exatamente.

Luciano Pires: Meu caro, bom, você queria ser motorista, por causa dessa ideia que aí eu vou para lá, etc. e tal. Mas, e aí cara? Você botou na cabeça que você precisava estudar, ou não, eu vou me fazer na vida, do jeito que a vida vier. Como é que era?

Gilberto Lopes: É, lá em Porto Alegre, minha mãe começou um outro relacionamento, depois de alguns anos. E aí um outro relacionamento abusivo, tóxico, que tinha muita violência. Minha mãe apanhava bastante, bastante. A gente menos, mas, ela apanhava muito.

Luciano Pires: Ela apanhava aqui?

Gilberto Lopes: Apanhava aqui, e apanhava lá.

Luciano Pires: E depois foi apanhar lá?

Gilberto Lopes: Sim.

Luciano Pires: Puta, mas isso é carma cara, isso tem que ser carma.

Gilberto Lopes: É, esse lance da violência doméstica, é um negócio complicado Luciano, porque, pelas pesquisas aí, entre 55, 60% dos lares no Brasil, tem a violência doméstica. E aí, é um negócio cultural muito forte. O tataravô batia, aí o avô batia, aí o pai batia, o neto bate, porque vai replicando. O cara acha que se ele não bater, ele é gay, porque sempre viu aquilo na família. Ele vai, e bate também. A mulher, sempre viu a tataravó, bisavó, avó apanhando. Então, ela acha que aquilo... E esse troço está na casa de rico, pobre, de tudo quanto é lugar que você possa imaginar. Eu dou as palestras, eu conto, termina a palestra, tem 50 pessoas na fila, para contar que está passando por essa situação. Então, aconteceu lá de novo. Eu cresci cara, sei lá, dos meus 9 anos, 8/9 anos, até os 13/14, todo dia ficava, "pô, se eu pegar essa faca, eu consigo enfiar no peito. Se eu pegar essa tesoura, eu consigo bater no pescoço.". Enfim, a minha infância, era pensar como é que eu matava aquele cara, estava sempre com isso na cabeça, sempre ligado. Na hora de dormir, eu ficava ali ligadaço, esperar apanhar há qualquer momento da noite. E tenho cenas da cabeça da minha mãe, o som, a mão dele segurando a cabeça dela, e batendo na parede. A gente dormindo, e aí você ouvia aquele seco. Era a cabeça da minha mãe. Minha mãe saindo do quarto sangrando. E eu vivia querendo matar aquele cidadão, cara. Era a minha vida.

Um pouco eu acho de Washington, foi a forma que ela encontrou de fugir, entendeu? Fugir desse negócio aí, ela não tinha controle sobre as relações que ela tinha. E ela foi embora. Então, durante um período foi isso. Eu chegava na escola cara, não dormia a noite inteira, por causa desse caos, sempre tinha polícia em casa. Era um caos. O cara arremessava móveis...

Luciano Pires: Que problemas esse cara tinha? Era um psicopata? O que que era?

Gilberto Lopes: Cara, bebia, e ficava assim. Ficava louco, quebrava tudo.

Luciano Pires: Era bebida?

Gilberto Lopes: Bebida.

Luciano Pires: Sem bebida, era normal?

Gilberto Lopes: Era normal, era mais normal. Mas, com bebida à noite, a coisa ficava complicada. E aí arremessava, a gente tinha uma sacada, pegava a TV e jogava para fora do apartamento. Pegava sofá, armário, todos os nossos móveis iam para a rua, todos os vizinhos sabiam, chamavam a polícia. Aí no outro dia, ficava acordado, não tinha como ir para a escola, saía na rua, todo mundo falando, "o garoto que apanha". Cara, deu a sétima série, eu fui reprovado, por falta, por um monte de coisa. E aí eu já não tinha mais pique. Eu ia para a escola, e ficava olhando aquilo.

Luciano Pires: Esse cara quando acordava no dia seguinte, ele tinha algum lance do gente, me descontrolei.

Gilberto Lopes: Não.

Luciano Pires: Era foda-se?

Gilberto Lopes: Vida normal, foda-se, cara fechada, não... eu não olhava no olho dele. Se olhasse no olho, era apanhar. Não olhava. Era sempre assim. Tipo, não olha para mim. Se olhar para mim, vai ficar ruim para você. E era isso, sempre foi assim. Então, parei na sétima série. E aí uma confusão, fui muito para a rua. Comecei a fazer subemprego. Então, não tinha muita ideia. Eu fazia tudo quanto era bico que tinha que a gente chamava na época, que é subemprego, eu estava envolvido. Porque, qualquer coisa precisava de segundo grau, então o mínimo era segundo grau completo. Eu não conseguia, não conseguia, e também não tinha motivação. Eu meio que estava revoltado, eu não tinha motivação para estudar, sabe? Não tinha, porque enfim, minha mãe estava sempre fora.

Luciano Pires: Deixa eu dar uma volta, porque o programa aqui tem voltas, tá? A gente vai, volta.

Gilberto Lopes: Fica à vontade.

Luciano Pires: Esses dois modelos que você teve de pais, que pelo que você está contando aí, um era o inferno, outro era o inferno dobrado, né? Esses caras serviram como modelo para você, do que não ser? Do que não fazer, de como não agir?

Gilberto Lopes: Muito.

Luciano Pires: Porque você lembra que você falou de... o bisavô batia, tataravô, o pai. Você é o filho. Você viu apanhar e viu apanhar de novo. De falar, pô, talvez isso seja normal. Isso nunca pegou em você? Você nunca, você tratou isso como exemplo negativo do que não ser? Como é que foi na sua cabeça?

Gilberto Lopes: Sim, eu tenho uma referência de ser humano na minha vida, que é minha mãe. Uma, mais ninguém, não tenho nenhum chefe, não tenho líder, escritor, não tenho político, nada. Pô, nada, nada, nada. Não pago pau para nenhum outro ser humano. Para ela, para mim ela é uma deusa, tudo o que eu sou, o que eu faço, a pegada que eu tenho é da minha mãe, porque eu vi ela fazendo isso. E tem uma porrada de gente que me ensinou, incluindo pai, padrasto, do que não fazer. Então, quando eu já tinha meus 16, meus 18, e eu pensava em uma família, o que que eu pensava em uma família? O dia que eu tiver a minha, vai ser na paz. Ninguém vai gritar, ninguém vai bater em ninguém, tudo a gente vai resolver conversando. E isso eu já tinha claríssimo. E eu era o cara do diálogo, garoto, já era o cara do diálogo. Da conversa, vamos conversar, não sei o que, do sorriso. Sempre foi essa coisa, porque eu via que aquilo, quando eu comecei a entender, ficar um pouquinho mais velhinho, e entender que se eu matasse aquele cara, eu ia acabar com a minha vida, caiu a ficha que eu precisava buscar um outro caminho, uma outra solução. Não ia resolver violência com violência. Beleza. Enfio uma faca no peito do cara que bate na minha mãe, ele morre. E aí, eu vou carregar a morte comigo, tem um sistema aqui que vai me julgar, a minha mãe vai falar, "você matou". Toda a sociedade vai falar, "o garoto é um assassino". Falei não cara, não é esse o caminho. E aí eu busquei trilhar um outro caminho, e cara, é o caminho. Paz é a minha vida, ninguém grita na minha empresa. Eu já demiti gente na minha empresa porque gritou. Não aceito. É meu, eu faço o que eu quero. Então lá é na paz, minha vida, eu sou casado com uma mulher maravilhosa, na paz. Mas foi isso Luciano. Esses perrengues, essa violência, essa situação toda que eu passei, ela me forjou um cara da paz, entendeu? Um cara do bem. Eu não sei te explicar como funciona isso, porque na maioria dos casos, se replica o que se vê.

Luciano Pires: Pelo contexto que você está contando, pô, eu estava desajustado. Eu fui reprovado, apanhava em casa, não dormia a noite. Quer dizer, você está construindo um... você está atraindo a marginalidade de todas as formas. Dali para virar um bandidinho, droga, e tudo mais.

Gilberto Lopes: Exatamente. Era onde eu ia entrar. Nessa idade, eu comecei com 14 anos, comecei a tomar cerveja. Depois eu comecei a fumar maconha, com 15 anos eu comecei a usar cocaína. E vai, porque você... é um pouco sobre o crime. Então, eu não tinha acolhimento em casa, a rua acolhe, entendeu? Os amigos acolhem. E aí é aquilo, é a rua, o cara pode achar que ele está te dando carinho, oferecendo maconha. O cara pode achar que está te dando um up, te oferecendo cocaína.

Luciano Pires: E até não é nem por maldade. É que aquilo, para mim aliviou aqui.

Gilberto Lopes: Tem uma fase, você pega adolescente, você precisa se afirmar, você quer se reconhecer, saber seus limites. Se não tem a mão da mãe, a mão do pai, uma família estruturada, você não tem ordem, fica meio que o caos. Eu vivia na rua o dia inteiro, porque eu não estudava mais. E aí apareceu essa questão das drogas, apareceu oportunidade de crime. Então, os garotos, eles roubavam cartão de crédito, para fazer compras em lojas. Imagina, 30 anos atrás, mas roubava. E aí os caras falavam, olha aí Betinho, conseguimos, vamos comprar um tênis. Eu olhava aquilo, sempre achava esquisito. Nunca fui. Mas assim, ficou uma linha muito tênue, entendeu? Porque me ofereceram várias vezes. É meio que... é um ciclo Luciano. Começa na cerveja, daí vem a maconha, vem drogas mais pesadas. E aí na droga, tem o crime também, porque a garotada não tem grana, precisa encontrar uma forma. Então, teve esse período de droga, mas eu fui um cara que eu nunca fui comprar, nunca fui na boca, e eu nunca tive a necessidade. Tinha, me ofereciam, eu usava. Não tinha, estava ok. Não tinha dinheiro para aquilo, estava ok, eu não ia comprar, nunca comprei. E aí por um período eu usei, fiz parte, até que eu comecei a ver que os caras eles iam piorando, eles iam ficando cada vez mais dependentes. E aí eu me afastei dessa galera, e não tive mais contato. 

Luciano Pires: Esse ambiente, onde seus irmãos estavam também na sua casa, né?

Gilberto Lopes: Sim, sim.

Luciano Pires: Como é que eles reagiram a essa... eu já entendi a sua reação qual foi. Você conseguiu traduzir tudo isso para, vou construir algo positivo. Como é que foi na cabeça dos seus irmãos?

Gilberto Lopes: Cara, meu irmão mais velho, a gente tinha 10 anos de diferença, Marcelo. Ele faleceu no meio desse caos todo, em Porto Alegre. Ele morreu afogado, em uma cidade chamada Dois Irmãos, em um açude que tinha lá. Mas, ele já era um cara, ele tinha lá seus 18 anos, ele era um cara revoltado. Ele era o cara que estava caminhando para fazer aquilo que eu queria fazer, sabe? E aí, ele vivia, um cara fechado, um cara triste, um olhar de uma pessoa... Você imagina um jovem de 18 anos, com olhar de uma pessoa amargurada de 90, sabe? Esse era o semblante do Marcelo, do meu irmão. E aí ele estava um final de semana com os amigos, em um açude, com a minha irmã também, em Dois Irmãos, e o negócio batia na cintura dele assim, enfim. E aí o que falaram, que deu câimbras, mas ele se afogou lá, e ele morreu nesse lugar, no meio desse caos todo. Alguns meses depois disso, minha irmã engravidou com 15 anos, para sair fora de casa. E ela teve a filha dela com 16, enfim, eu fui morar com ela. Então, eu fui conversar com a minha irmã sobre esse assunto, eu estou com 50, falei com ela com mais ou menos 42 anos de idade. Minha irmã nunca tinha falado sobre isso com ninguém. Minha mãe, nunca tinha falado sobre isso com ninguém, e eu também não tinha falado sobre isso com ninguém. A gente vivia aquilo velado.

E aí muitos anos depois, já tinha 42 anos, fazia terapia. E aí tem uma parte da minha vida, que bloqueou, era uma faixa negra, eu não lembro de nada. E aí muitos anos de psicanálise, e eu falei para a psicanalista, falei pô, eu queria saber, falei para ela, tenho dúvidas cruéis. Quem me ensinou a escovar os dentes? Quem me ensinou a limpar o ouvido? Quem me dava banho? Eu não sabia isso cara, eu não sabia, e isso me machucava demais, porque eu já tinha aceitado meu passado, tudo bem, não posso voltar, não vou mudar isso. Beleza, vamos em frente. Mas pô, e esse pedaço da vida, onde que ele está? Ela falou, cara, cada cérebro de cada pessoa reage de uma forma, o seu bloqueou isso aí, enfiou lá num canto. Essa foi a sua ferramenta de sobrevivência. E aí eu falei, mas a minha irmã estava lá. Aí ela falou, e o que você quer fazer? Eu quero perguntar para ela. Daí ela falou, olha Gilberto, você vai mexer em um negócio pesado. Você é um cara forte, mas eu preciso te avisar que você vai mexer em uma coisa que está tipo, o seu cérebro guardou o negócio. Eu não sei como vai ser para você isso. Eu falei, não, quero ir até o fim. Cara, eu fiz um questionário. Quem me levava para a escola? Quem trocava minha roupa? Quem assinava o meu boletim a cada trimestre? Quem me dava banho? Porque eu não sabia dessas coisas, eu não sabia. E aí peguei um avião, já morava em São Paulo, fui para Porto Alegre, levei 3 folhas impressas, sentei com a minha irmã e falei, preciso conversar com você sobre isso aqui.

Puta cara, foi uma viagem no tempo irmão, chorei para cacete, ela chorou para caralho. Aí eu descobri que várias coisas, ela, uma criança, cuidando de outra criança.

Luciano Pires: que diferença de idade entre ela e você?

Gilberto Lopes: Minha irmã para mim, 6 anos. E aí muita coisa, era ela que fazia. Tinha coisa que ela, por exemplo, eu tive vários problemas nos meus dentes. Eu fui no dentista a primeira vez, com 32 anos de idade. E aí eu falei, quem que... Não cara, não tem essa de dente. Nosso lance, era como é que a gente não apanha a noite. Você está de brincadeira, que alguém ia te mostrar como é que cuida do dente? Então, eu queria entender coisas que como adulto, eu casei, minha mulher é uma mulher maravilhosa. E aí ela chegou, cara, eu preciso te falar uma coisa, a gente precisa arrumar seus dentes. Seu ouvido tem cera. Como assim cera, Luciano? Como assim? Ué cara, tem cera. Você não tira? Não, nunca peguei em um cotonete. Por que que eu ia fazer isso? Mas, sua mãe... Não, né? Então, eu comecei a ver que várias coisas que eu tinha bastante profundas, por exemplo, uma enorme dificuldade que eu tenho de cuidar da saúde, mesmo tendo condições, é porque nunca fez parte. Eu queria entender.

Luciano Pires: Você tinha uma prioridade. Você tinha algo muito mais importante que isso, que era sair vivo, ficar vivo até amanhã, dentro de casa.

Gilberto Lopes: Exatamente.

Luciano Pires: Cara, é uma realidade tão distante da minha, eu tenho dificuldade de entender isso, eu não consigo compreender. Quando você me conta, eu não consigo, não dá, eu tento, estou tentando aqui. Você está falando, eu não consigo compreender. Dentro da minha casa, eu estar preocupado em ficar vivo até amanhã, no lugar que devia ser o lugar mais seguro para mim, onde devia estar eu correndo para... É o lugar que eu tenho medo de, será que eu vou estar acordado amanhã? Cara, isso é muito louco.

Gilberto Lopes: É. E aí cara, eu fiz esse questionário, ela começou a responder, chorou um monte, eu chorei um monte. E aí eu entrei em um buraco, daí eu cheguei, voltei na psicanalista e falei, eu quero sair. Daí ela falou, você não pode sair, eu falei para você que ia ser muito forte. Você não pode sair. Não, eu não quero mais mexer nisso, porque aí derrubou sabe? Eu fui cavando, até chegar na sujeira toda. E aí eu não consegui segurar o negócio. Daí ela falou, cara, eu preciso que você vá para um psiquiatra. Daí eu falei, não vou, não vou. Enfim, cheguei em casa, minha mulher falou, você vai. Eu fiquei um tempo cara, com duas sessões de psicanalise na semana, e uma sessão de psiquiatra. E aí comecei a tomar tarja preta, enfim, fiquei um período, 1 ano e meio, mais ou menos.

Luciano Pires: Isso aos 40 e tanto, já dono da empresa?

Gilberto Lopes: Já pai, já mandei um e-mail para a empresa, estou passando por um período muito difícil, estou tomando remédios. Mandei isso para 1100 funcionários. Vocês verão alteração de humor em mim, não sei mais o que. Fiquei 1 ano e pouco zumbi, caiu o faturamento da empresa, foi porque eu mexi nisso daí.

Luciano Pires: A fatura vem, né cara? O boleto chega.

Gilberto Lopes: Minha esposa me disse, ela me disse o seguinte. Ela é uma mulher maravilhosa assim. Eu falei para ela, porra, como que eu aguentei tudo isso antes? Ela falou, cara, porque seu foco era sobreviver. Então, qualquer resto, você segurava o rojão, qualquer... o mundo podia explodir, se tivesse vivo, estava valendo. Ela falou, agora, você tem uma rede de proteção. Você tem sua casa em paz, você tem uma esposa, tem renda.

Luciano Pires: Pirâmide de Maslow. Você estava na base dela cara.

Gilberto Lopes: Isso.

Luciano Pires: Seu negócio era aquilo. O resto, sei lá.

Gilberto Lopes: E aí quando formou essa rede de proteção, essa estrutura, minha filha, minha esposa, minha empresa, minhas coisas, enfim, falei, agora eu quero ver isso. Fui atrás, vi, foi uma porrada dos infernos assim. Mas, entendi.

Luciano Pires: Você encontrou com esse segundo, esse seu padrasto aí, depois de adulto?

Gilberto Lopes: Não, não.

Luciano Pires: Nunca mais.

Gilberto Lopes: Não.

Luciano Pires: Nem para acertar as contas?

Gilberto Lopes: Nem para acertar as contas. Virei a página.

Luciano Pires: Esse sentimento da vingança, não fez parte do seu repertorio?

Gilberto Lopes: Não. Não tenho odeio, magoa.

Luciano Pires: Nem pela sua mãe?

Gilberto Lopes: Não.

Luciano Pires: Bater a cabeça dele na parede, para ele ver como que é bom?

Gilberto Lopes: Não, cara, não. Não tenho, de verdade, isso não. Eu uso muito minha energia, para ajudar outras pessoas que passam por isso, que estão passando por isso. Entendi algumas coisas. Enfim, você vai envelhecendo, e a gente pode evoluir até quando a gente quiser né Luciano. E a minha evolução...

Luciano Pires: Isso é Roger Scruton, procure... gaste a sua energia com as coisas que você gosta, ama, que quer construir, ao invés de procurar as que você odeia, para destruir.

Gilberto Lopes: Passou tudo, né cara? Passou tudo, daí eu olhei para trás. Daí eu falei assim, beleza, passei tudo isso, me estabeleci, tenho minhas vitórias, sou um cara inteligente, falei, o que que eu faço com isso daqui? Espera aí, eu posso ajudar gente, eu posso ensinar o garoto de 15 anos que vê o pai bater, que não está certo bater. Posso ensinar a menina de 15 anos que apanha, que vê a mãe apanhando, que não está certo apanhar. E aí, meu tempo, minha energia, meu amor, minha grana, foi para esse caminho, entendeu?

Luciano Pires: Que não é o seu business?

Gilberto Lopes: Que não é meu business.

Luciano Pires: Não tem nada a ver com o seu business?

Gilberto Lopes: Não, não tem nada a ver com meu business. Isso é uma parada, e aí assim, é como eu vivo, e como eu acredito que tudo que você vive na sua vida, pode ter um propósito, pode ter uma função. Você precisa dar uma olhada maior. Vou fazer uma radiografia de você. Você está aqui hoje. Então, você é um comunicador, um palestrante, um radialista, um escritor, você é um cara multimídia, um personal intelectual fitness. E aí as pessoas olham, pô, Luciano. Isso que você está hoje, é fruto do que você leu, que você aprendeu, que você questionou. Então o Luciano lá atrás, 15, 16 anos, 20 anos, 22, 25 anos, você veio cara, e hoje é uma pepita que brilha. Você faz várias coisas maravilhosas, as pessoas, pô, me encanta a forma com que ele fala, me encanta a forma com que você escreve. Pô, mas é um resultado de quatro, cinco décadas, de uma série de coisas. Então, para mim, pô, o que que essa minha história foda para caceta, pode ajudar outras pessoas. E aí assim, não espero nada em troca, não quero que me chamem, nada disso. É só o que eu vi, durante as minhas palestras eu falo muito sobre esse tema, que as pessoas vêm e falam, pô, preciso de ajuda, estou nessa situação, não quero bater, mas acham que eu sou gay se eu não bater. Enfim, e aí eu faço isso em paz, tranquilo. Se eu tivesse que passar o que eu passei de novo com a minha mãe, eu passaria absolutamente tudo o que eu passei com ela. O que eu sou hoje, é fruto de tudo aquilo.

Luciano Pires: Dona Conceição, queria ter conhecido essa figura.

Gilberto Lopes: Tem uma história do cardápio que eu conto, que eu vou te contar, você vai se divertir demais. Os caras falam, pô Giba, mil pessoas? Como que você dorme? Mil caras CLT? Eu falo, brother, é o seguinte, quando a gente não é nada, eu no restaurante, abro o cardápio. Eu só olhava o cardápio pelo lado direito. O lado direito é o lado do preço. Aí eu passava o dedo Luciano, do lado direito, achava o menor número, R$ 6,00 reais. Jiló com pedra. Amigo, vê esse aí. Pô cara, você gosta? Não, é o que cabe no meu bolso, foda-se, é isso. Anos assim. Aí mudou tudo, chego no restaurante, abro, olha o poder de poder olhar para o lado esquerdo, sem pensar no lado direito. Então vou lá, pô quero esse filet parmegiana amigo, para duas pessoas, um belo de um vinho. Então, nenhum dia eu esqueço do que eu passei, nenhum dia. Então minha empresa, cara, R$ 100 milhões por ano, é muito dinheiro. Há 20 anos. Mas, você vê, eu não me deslumbrei, eu não me transformei. Os caras, pô, você tem uma Ferrari? Você tem um Porsche, você tem uma ilha? Não tenho Porsche, não tenho Ferrari, não tenho uma ilha, posso ter. Não é, virou uma outra parada para mim. Então, eu sou muito grato, porque talvez eu tivesse me perdido, sabe? Um monte de dinheiro, pô cara, vou comprar, tudo bem, você vira uma pessoa deslumbrada.

Luciano Pires: A gente pega os exemplos dos jogadores de futebol, essa molecada toda, que de repente a pancada do cara explode, e o cara despiroca. Tem um livro interessante, acho que é O Caminho para o Caráter, se não me engano, não vou me lembrar qual é que é. Que ele está discutindo esse assunto, ele fala o seguinte cara. Você chega ao topo, pelo seu esforço. Ele te leva ao topo. Seu esforço, sua disciplina, sua capacidade de quanto você se dedica, isso te leva ao topo. Mas, o que te mantem no topo, é seu caráter, não é seu esforço. Você fica no topo, pelo caráter. Então, ele dá o exemplo, pega o Mike Tyson. Pô, o cara chega ao topo, com 19 anos de idade, o cara vira campeão mundial de boxe, com tudo o que tem na mão, e cai, e vai para a cadeia, vai preso. Então, para você se manter em cima, é caráter. E caráter, você não foge, é trabalhando no dia a dia. Ele vem lá de trás, ele vem em uma escolha que você fez lá atrás, e fala cara, não vou renegar essas raízes, eu sei de onde eu vim, eu sei o que eu passei, e aprendi algumas coisas que agora vendo isso tudo, acho que eu posso contar para as pessoas. Isso é sagrado, dona Conceição deve estar feliz de montão.

Gilberto Lopes: Tá feliz. Uma vez, eu estava na casa dela, e aí ela foi tomar um banho, enfim, eu comecei a olhar a sala, parecido aqui com o seu escritório. E tinham várias, tinham matérias de jornais que saíam da minha empresa, matérias comigo, entrevistas, tudo em quadrinho assim. Então, tinha um quadrinho assim, empresário de São Paulo, faz não sei o que. Lotado. Eu olhei e falei, gente, parece um santuário. Aí saiu, eu mãe... Ela ah filho, eu sou sua maior fã. Eu sou a sua maior seguidora. Aí eu caminhava com ela, ela morou um tempo em um bairro em Porto Alegre que chamava Alvorada, que ela comprou essa casa lá dos Estados Unidos. Eu caminhava, as vizinhas, oi Júnior. Eu falei, mãe, todo mundo me conhece aqui mãe? Ela falou filho, você não sabe o filho que eu tenho, ele é presidente de empresa. O meu filho é um gênio. Senhora acredita que ele tem mil funcionários. Eu falava, mãe, como assim? Ela, ah, meu orgulho, tem que contar para todo mundo. Ela tinha um orgulho cara, inenarrável.

Luciano Pires: De dever cumprido, cara. Ela olha para tudo, cara, que puta esforço, e deu certo.

Gilberto Lopes: Exatamente.

Luciano Pires: Sua irmã também se encaminhou legal?

Gilberto Lopes: Sim, sim. Se encaminhou bem, está bem da vida, casada, teve a filha com 15 anos, criou e educou. Eu ajudei as minhas duas sobrinhas.

Luciano Pires: E o pai?

Gilberto Lopes: Também separou, também tinha problema com álcool. Não tinha problema com violência, só com álcool. Separou, fez um outro casamento. Aí as minhas duas sobrinhas, aí cara, tem um negócio que é o seguinte. Eu falei para a minha irmã, as suas filhas, a gente vai quebrar, a gente vai quebrar o ciclo na nossa família, de não estudo. Elas vão se formar. Minha falou, não tenho grana. Eu vou pagar tudo. E a gente conversou com as duas, moravam muito longe, Alvorada, grande Porto alegre, sabe assim, é mais distante. E aí eu aluguei um AP, elas passaram em uma faculdade privada. Uma se formou em administração, depois fez um outro curso. A outra, se formou em radiologia. E aí foram as duas primeiras pessoas da nossa família, que saíram desse ciclo vicioso de não ter estudo, sabe? Que não estudava, outra não estuda, enfim. E aí já mudou, obvio, minhas filhas mudaram também.

Luciano Pires: E vão arrastar seus netos, que vão arrastar, e aí você fez a pirâmide.

Gilberto Lopes: Isso, você faz essa escala, você muda aquilo. Já é uma geração com estudo, sem a violência, com entendimento muito diferente de certas coisas, né? Então, é muito louco, eu observo isso em casa, eu consigo ver essa coisa toda. Eu sempre olho tudo 360 assim.

Luciano Pires: Esse é um ponto interessante. Giba, esse programa não tem roteiro, eu também não sei detalhes da sua vida. O papo vai pintando, conforme a gente vai conversando aqui. E acho que tem algumas coisas que não dá para deixar passar batido. Quando você fala essa coisa de olhar pelos 360, e tudo mais, eu entendo que, na medida em que você se aprofundou na sua história, e tentou entender, você foi estudar outras coisas, você foi ver como é que isso acontece, porque acontece, onde acontece, como que é. E fica uma coisa interessante, que imagina, a sua mãe muito focada naquela coisa também da sobrevivência, de dar o melhor para os meus filhos, tudo mais, e se preciso eu vou embora daqui. Eu fico longe deles, com toda a carga de saudade, tudo mais. Mas, em alguns momentos, ela fez algumas escolhas. Ela teve uma escolha pelo seu pai biológico, e foi terrível com ele. Teve uma escolha com o segundo companheiro, que foi terrível com ele. E acho que isso deve ser muito comum nesses casos. Então, como é que alguém, por que que alguém escolhe, e na primeira porrada que toma, "opa, espera aí, escolhi errado, caí fora". Que armadilha é essa, que faz com que alguém fique 5, 6, 10, 15, 30 anos, sofrendo uma violência doméstica e não saia fora? Isso é... eu me conformo, porque sempre foi assim, e acho que vai ser assim comigo. Ou é uma armadilha psicológica, não consigo fugir disso. Não vou fugir, porque eu tenho medo de que esse cara faça mal para a minha família, para os meus filhos? Que armadilha é essa, que mantem alguém preso assim, cara?

Gilberto Lopes: Cara, no passado Luciano, eu estudei bastante sobre isso, estudo até hoje. E aí no passado, as mulheres, a sociedade argumentava muito, na década de 80, década de 90, uma mulher divorciada, era meio que uma vagabunda, né? Não era bem vista na sociedade. Como você é separada. Então, tinha esse grande preconceito, poucas mulheres trabalhavam, e era essa a defesa, que elas alegavam, para não sair desse relacionamento abusivo. 30, 40 anos se passaram, essas situações se repetem, elas ficam 10, 20, 30 anos nesses casamentos, e você pergunta os motivos. E elas alegam que em alguns casos, os motivos que é uma dependência financeira, é para proteger os filhos, porque tem os recursos. E é medo. Então, isso se repete, hoje eu trabalho com várias instituições que cuidam de mulheres assim. E as mulheres tem uma extrema dificuldade de se libertar dessas relações, e vão mantendo essas relações. Cara, em todos os níveis, pobre, rico, em todos os lugares.

Luciano Pires: Sim, não tem cor, não tem dinheiro no banco, não tem...

Gilberto Lopes: Não tem cara. E vive essas escolhas, e é muito, muito triste. No epicentro de 2015, você estava lá, eu fiz uma palestra onde eu coloquei um áudio que eu simulava uma madrugada na minha casa, tinha soco, tinha pontapé, gritos, "para de bater na minha mãe". Daí ele fala, "mas é agora que eu vou te matar, seu filho de uma puta". Então, eu fiz um áudio, contratei um estúdio, e simulei uma madrugada na minha casa, uma madrugada de 1984. Eu mostro isso, fiz essa palestra.

Luciano Pires: Você ainda tem esse áudio?

Gilberto Lopes: Tenho esse áudio. Compartilho com você, claro.

Luciano Pires: Se você me emprestar, eu vou botar ele aqui para o pessoal ouvir.

Gilberto Lopes: Claro, te dou, ele é superimpactante, e mostra a destruição que é na mente de uma criança, de um jovem, viver aquilo todas as noites. É assustador. Esse som da cabeça da minha mãe batendo, está lá no áudio, eu fiz exatamente como eu ouvia. Ele está replicado lá, ele é muito, muito forte.

Terminou a palestra, desci do palco, tinha umas 30 mulheres em uma fila para falar comigo. No epicentro, lá no auditório, em Campos do Jordao.

Luciano Pires: Que é com um pessoal de nível...

Gilberto Lopes: Exatamente.

Luciano Pires: Para você que está ouvindo, entender o que é, epicentro é um evento que acontece todo ano, quando não tem pandemia, ele acontece todo ano em Campos do Jordao, o que já é um impeditivo. As pessoas vão para lá, Campos do Jordao é um lugar que você não fica... é caro para ir, é caro para ficar, é caro para comer. Então, quem vai para lá, vai se deslocar para um lugar distante. Então, não é um cara que estava na rua e fala, ah, vou ali assistir uma coisa. É gente que está empenhada. É gente que está interessada em crescer, são líderes, pessoas de liderança, empreendedores, tudo mais. Então, não é um público que está perdido.

Gilberto Lopes: Não, não. Não é o C e D da pirâmide.

Luciano Pires: Sim, não é.

Gilberto Lopes: Porque você paga o ingresso, você para hospedagem em Campos, você tem que chegar em Campos, tem alimentação. Eu diria que, pode ser que a pessoa gaste ali para ir e voltar, ficar, talvez R$ 2 mil reais em um final de semana. Enfim, mais ou menos isso daí. E aí algumas pessoas só queriam tirar foto, as outras queriam dar um abraço. E aí uma senhora de uns 50 e poucos anos, 52/53 anos, quando chegou a vez dela me abraço, começou a chorar soluçando, e não largou mais. Eu olhava a fila, as outras pessoas, e aí? E eu não sabia o que fazer. E essa mulher abraçada em mim, muito, muito forte, abraçada, mas assim, com aquela força, com aquele amor, sabe? E eu ali, sem reação, eu não sabia o que fazer. Falei, o que está acontecendo. E aí uma outra pessoa da fila tocou no ombro dessa mulher assim, daí ela olhou para mim, foi no ouvido, e falou assim, "filho, muito obrigado. Eu vou em uma delegacia hoje, denunciar meu marido. Eu não tinha ideia do que essa situação que eu estou vivendo, estava fazendo mal para os meus filhos". E aí cara, naquele dia, eu falei, "todo lugar que eu for, e tiver oportunidade, eu vou falar sobre esse assunto".

Então você vê, no Epicentro, um lugar para você passar um final de semana, você vai gastar R$ 2 mil, R$ 3 mil reais, com hospedagem, comida, alimentação, isso, aquilo. Pessoa estava lá, mulher vivia porque ela achava que manter aquele casamento, que ela estava fazendo um esforço porque ela apanhava, e ela não contava para ninguém, ela achava que aquilo era o melhor para os filhos dela. Quando eu contei a tinha história, e ela pode ver o que os filhos dela viam pelos meus olhos, caiu a ficha dela, que ela estava dando a pior situação possível para aquelas crianças. Porque não tem como você achar que é positivo as crianças vendo violência o dia inteiro. Está em um quarto fechado, mas, você está ouvindo tudo o que está acontecendo. E aí foi isso.

Então, são essas escolhas que as pessoas fazem, até hoje é esse dilema, essa dificuldade.

Luciano Pires: E a gente ouve tanto falar nisso, que a impressão é que esse é um problema que está em extinção. E não está, né Giba?

Gilberto Lopes: Não, não está. Tem violência física, né? Que essa, ela é bem conhecida, e a gente está mudando. Hoje, a gente tem uma violência que a gente chama de violência financeira. O cara fala para ela, não trabalha, eu quero que você seja tranquila, seja feliz, tenha uma vida de princesa, e a mulher para de estudar, não trabalha, enfim. E o cara controla com a grana. Então, ela não consegue fazer nada sem o dinheiro do cara. E aí chega uma idade, que ela não consegue mais também estudar, trabalhar, porque passou do timing, né? E aí o cara tem controle sobre isso. Tem a violência estética, a mulher é linda, e o cara fala, "você é uma gorda, você é uma balofa, uma vaca", e essas mulheres começam a vomitar, a enlouquecer. Mulher linda, quer fazer cirurgia plástica.

Então, tem a violência psicológica que o cara fala, "você é uma incompetente, você é uma merda, você é uma bosta". Então, tudo reduz, são vários tipos, e isso hoje é muito elaborado, porque tem essa questão psicológica, tem muito cara, tem muito agressor, que controla a mulher psicologicamente. Não é mais com violência. E a mulher, ela acha que ela não está sofrendo uma violência, entendeu? Então, está em depressão, está mal, e aí vão acarretando esse tipo de situação.

Luciano Pires: Seus exemplos, acho que até pela sua história de vida, são agressão do homem a mulher. E como é que é isso aí? Porque eu não vi o caminho contrário. Não tem o caminho contrário, da mulher para o homem?

Gilberto Lopes: Não, não, é muito difícil. A mulher, a maior parte delas, tem o espirito de colaboração, tem espirito materno de cuidado, do bem-estar, do melhor. A mulher, quando ela vira mãe, a prioridade da vida dela é a família, é manter a família bem, cuidar de todo mundo. Mulher gosta muito de cuidar do companheiro, cuidar dele, enfim, da roupa, da comida, da pele, unha. Enfim, a mulher tem essa coisa do lamber a cria, sabe?

Luciano Pires: Ou seja, mulher é diferente do homem então?

Gilberto Lopes: Mulher é diferente de homem.

Luciano Pires: Não é igual.

Gilberto Lopes: Cara, eu quero dar um cavalo de pau aqui, para a gente não perder coisas sensacionais que você precisa ouvir.

Luciano Pires: Vamos.

Gilberto Lopes: Contei que lá em Porto alegre, decidi vir para cá, peguei um ônibus da Viação Itapemirim, queria trabalhar em grandes empresas de publicidade, mochilinha, R$ 400 reais, vim para São Paulo.

Luciano Pires: Isso, naquela vez para conhecer seu pai? Não?

Gilberto Lopes: Não.

Luciano Pires: Isso depois?

Gilberto Lopes: Isso depois já, 19/20 anos. Depois, depois. Eu era estagiário lá, ganhava R$ 400,00 reais.

Luciano Pires: Você já tinha definido o que você queria fazer da vida, não?

Gilberto Lopes: Não, não. Eu tinha definido que eu não ia conseguir ir para os Estados Unidos, porque não saia os vistos, tudo mais. E eu queria ganhar dinheiro, não tinha um foco... Eu sabia que eu sabia vender, porque eu falava bem. Mas, eu não tinha uma coisa, vou ser isso, ou aquilo. Eu gostava muito de marketing. Eu ia nas bancas, não tinha dinheiro para comprar revista, e eu pegava a revista e abria, sabe? Achava um máximo anúncio, anúncio de jornal. Eu falava, queria escrever isso aqui. Via anúncio de computador, eu adorava.

Luciano Pires: Escola, você não seguiu adiante?

Gilberto Lopes: Não, parei na sétima série, e nunca mais voltei. Outro dia, eu nunca tinha feito um curso EAD, nunca fiz nenhum curso. Outro dia, eu fiz um curso de um amigo meu de Madrid. E aí precisava contar uma história, sobre a sua vida. Eu contei. Eu falei para ele, cara, eu preciso te falar uma coisa importante. Desde 1984, essa é a primeira vez que eu vou entrar em uma sala de aula. O cara, porra Giba, que responsa. Falei é cara, aconteceu, aprendi outras formas de aprender, e nunca estudei de novo. E aí peguei minha mochila, meus R$ 500 paus, vou para São Paulo, cidade grande, sou de lá, lá as coisas vão dar certo. Eu queria encontrar uma forma de trabalhar em agencia de marketing. Mas cara, totalmente alucinado, porque não tinha formação, contato, não tinha nada. Conheci um fotografo, uma vez um cara foi para Porto Alegre tirar foto, e esse cara eu conheci, e eu ajudei ele a encontrar os lugares que ele ia fotografar em Porto alegre, esse cara morava em São Paulo. Falei para ele, pô cara, posso passar 1 semana na sua casa, que eu estou indo para aí? Cara falou, pode. Eu vim, mas eu ia ficar eterno, não ia passar 1 semana. Fui parar em São Miguel Paulista, próximo de Itaquera, na casa do cara, em um sofá, o cara avisou a mãe dele, olha, ele vai ficar 3 dias aí. Eu fui, o cara falou, Giba, e aí? Eu cara, preciso ficar mais uns dias, que eu não tenho para onde ir, não tenho dinheiro, enfim, procurei emprego em agencia, não consegui nenhuma. Virei atendente de uma pizzaria em São Miguel Paulista. Eu trabalhava das 6 da tarde, a meia noite. Tocava telefone, "olá, boa noite, Boa Pizza, pois não. É uma mussarela, uma calabresa", e eu fiquei fazendo esse trabalho aí 2 anos cara, lá. E depois comecei a procurar outros empregos. Vim para a praça da República, na 7 de abril, tinha os homens placa, né? Tinha o homem placa lá, com os trabalhos, você ia até o homem placa, o cara te dava um papelzinho. E aí, eu comecei a minha jornada de empregados malucos. Tudo o que você puder imaginar Luciano, eu fui vendedor de seguro funeral, eu vendia caixão na rua, seguro funeral. Eu vendia convenio médico para profissionais do sexo, prostitutas na rua. Eu vendi CD em show de música, passava o cara, "olha a cerveja, olha a cerveja". Outro cara, "olha a água, olha a água". Eu, "olha o último CD do Skank, minha gente". Maracanã, Minas, Rio Grande do Sul, ficava envolvido com isso aí. E aí cara, todo tipo de coisa que você puder imaginar na rua, eu fazia. Antigo Palace, você conheceu, antigo Olímpico, você conheceu. E tinha uma barraquinha, uma mesinha, eu botava o cartaz do artista, show da Laura Pausini. Botava o cartaz do artista lá, minha banquinha, e eu vendia CDs nos shows. Até comecei a ficar conhecido.

Luciano Pires: CD pirata, como que era?

Gilberto Lopes: Não, não, CD verdadeiro. Como funcionava cara? Vou contar essa parte da gravadora. Trabalhei em uma gravadora chamada Spot, que era um selo da Sony Music. E eu vendia aqueles CDs da Jovem Pan. As 7 melhores Jovem pan. Aprovado Jovem Pan. Eu vendia esses CDs aí, para Lado A, para o Mappin, para o Extra, para a High Fi, que era as lojas de CDs que nós tínhamos em shopping na década de 90, eu era o gerente de contas da gravadora, ia até a loja, e vendia o catalogo de CDs lá. Um dia, a gravadora chegou e falou, "pô, tem esse selo que é de Dance Music, a gente tem o selo catalogo, que tem Michael Jackson, tem Zezé Di Camargo e Luciano". Então manda embora todos esses garotos, o mesmo vendedor que vai no Mappin vender sertanejo e Michael Jackson, vende isso aí também. Aí nos demitiram, acabou, a gente ficou sem emprego. E eu já conhecia bastante gente na música. Aí foi ter um show da Laura Pausini, no Olímpia, eu vivia nessas casas noturnas, para promover os artistas. Já estava desempregado, falei pô cara, vou vender CDs no show dessa mulher aí. Laura Pausini, está bombada, por causa daquela novela italiana. Liguei no Olímpia, falei com uma amiga, tinha uma amiga lá, "olha, falei com a produção da Laura Pausini, e eles me autorizaram, vou vender CDs deles aí hoje, tá?". Daí ela, "tudo bom Giba, claro, pode deixar". "então, põe uma credencial aí para mim na porta". As credenciais, elas tinham cores. As cores, te davam determinados acessos. Dependendo da cor, você só podia ficar em uma área, outra cor você andava em tudo quanto era lugar. A mulher me deixou uma top. Aí, eu liguei para uma outra pessoa do Olímpia, e consegui o contato da produção da Laura Pausini. Aí liguei para a produção da Laura Pausini. Oi, tudo bom? Aqui é o Giba do Olímpia, estou ligando para informar que eu vou vender CDs no show da Laura hoje. Tudo bem. Fui em um distribuidor, ficava na Ipiranga com a São Joao, eles distribuem CDs para camelos. Cheguei para o cara, "cara, quero mil CDs". O cara falou, "porra Giba, mil CDs cara? Isso é uma fortuna". "Então, Laura Pausini, está bombada. O cara, "você tem o dinheiro bicho?". "Não tenho o dinheiro cara, sexta-feira vou te dar um cheque". Qual que era meu esquema. Cheque levava dois dias para compensar. Então, pegava esses CDs com esse cheque, vendia no final de semana, e na segunda cobria o cheque com dinheiro, né? Enfim, o cara falou assim, vamos fazer o seguinte Giba. Eu vou te dar 500 CDs. Amanhã, eu vou abrir até o meio dia. Você faz o show essa noite, amanhã você volta aqui, você cobre o cheque com dinheiro. Se fizer isso, eu te dou mais 1000. Então vamos embora, beleza, deixei lá o checão, 500 CDs. Peguei os 500 CDs, botei na minha malinha, peguei metro, peguei ônibus, cheguei no Olímpico, cartazinho da Laura, coloquei lá, tudo muito belo, arrebentei de vender. Eu acho que eu vendi CDs por 80 paus, acho que era. Saiu todo mundo chorando, sei lá, umas 5 mil pessoas, 6 mil pessoas no Olímpia. Eu tinha 500 CDs, cara, os caras quase se mataram para comprar um do outro. Sabadão de manhã... ah, voltei com a mala cheia de dinheiro, não tinha cartão, Pix, eu andava com um case prateado de CDs, lotado de dinheiro. Nessa época, eu morava nas Palmas do Tremembé, perto do Horto Florestal.

Então, eu dormia, pegava 3 cadeiras do show, eu juntava elas assim, deitava, dormi ali até umas 6 horas do dia seguinte, porque não tinha transporte antes disso. E aquele monte de dinheiro. Dava umas 6 horas, eu acordava, pegava essa minha malinha, pegava ônibus, depois pegava metro até Santana, em Santana pegava aquelas lotações pirata, até chegar nas Palmas do Tremembé, que eu morava na casa de um cara. Aí beleza, dormi, tomei banho, fui no distribuidor, peguei os meus CDs. Cara, vou fazer R$ 80 mil reais hoje. Esse negócio todo aí. Fui lá, montei, botei dois cartazinhos, estou lá esperando. Desce a Laura Pausini, falando italiano, "olá ragazzo, tchau". Falei, "oi, tchau". Fiquei lá, não sabia nem o que fazer, e beleza. Daqui a pouco, chega um cara, um senhor, e fala garoto, o que você está fazendo? Eu não entendi, veio um cara que falava italiano, falou com ele, "olha, estou vendendo CDs aqui. Conversei aqui com a produção". E aí o cara falou assim, "não, não, você não pode vender". "Mas quem é o senhor?". "Eu sou empresário da Laura, e pai dela. Esse lugar aqui eu aluguei, ele é meu por esses dias. Tudo o que acontece aqui, a renda é minha. Inclusive, isso que você está fazendo". Daí eu falei, nossa. Aí ele falou, conta os CDs. Contaram, tinha uma plaquinha com o preço, né? Aí ele falou, quando terminar o show, eu quero metade do dinheiro. Um cara chegou para mim, outro cara que estava atrás dele, falou olha garoto, ou você aceita, ou ele vai te mandar embora, né? Aí fiquei bem quieto, trabalhei, vendeu tudo. Subi lá, fui lá pagar, entrei no camarim, a Laura chegou para ele, falou pai, olha o estado do menino, a gente não precisa, deixa ele. O cara ficou uma fera, né? Mas, deu certo, fiquei com todo o dinheiro. Aí cresceu, eu estava no Olímpia, fui para o Palace, coloquei uma barraquinha lá, daí coloquei um garoto, e começaram a me chamar para show. O Skank me chamou para show, a Elba Ramalho me chamou para show, Cidade Negra. Aí eu viajava.

Luciano Pires: Você pagava para eles? Uma parte da grana, ia para eles?

Gilberto Lopes: Sim, sim. Mas, eles tinham um merchandising deles, eles tinham boné, camiseta, tudo mais. Era uma relação diferente. Os CDs, eu dava uma parte para eles, mas, vou dar um exemplo, camisetas do Skank. Vamos supor, a camiseta era R$ 50,00 reais. Aí eu vendia as camisetas, eles me davam 10% dessa venda. Só que eu sabia. Por exemplo, em um show no Macaranã, vende-se 2 mil camisetas, sabe assim, sem fazer nada. E aí eu fiquei assim bastante tempo, até que os caras do Só para Contrariar me fizeram uma oferta assim de muita grana, para eu ficar vendendo merchandising deles. Casaco, jaqueta, faixa de cabeça, enfim. E aí eu fiquei bastante tempo nisso, até que um dia no Rio, eu estava lá com uma mochila, com um monte de dinheiro, dentro do Maracanã, um cara enfiou uma 9 mm dentro da minha boca, e falou, "cara, passa tudo, senão vou explodir sua cabeça agora". A arma enfiada assim, né, dentro, o cara com o gatilho, a mochila, devia ter seus R$ 50 mil reais em grana, em cédula. Aí eu passei para o cara, e falei pô cara, não vou mais trabalhar com isso. Aí parei de trabalhar com esse negócio.

Aí voltei para 7 de Abril, atrás dos homens placa. Foi quando mudou a minha vida, tinha uma placa escrito Precisa-se de promotor de vendas para informática. O emprego do futuro. Eu li aquilo, falei pô, é isso aí, preciso fazer esse negócio aí. Fui lá, peguei o papelzinho, fui em uma agencia na 7 de Abril.

Luciano Pires: Que ano era isso?

Gilberto Lopes: Isso era 98. Aí fui, chamava dinâmica de grupo. 20 adolescentes, jovens, enfim, tinha gente de 18, tinha gente de 20 e poucos, e aí todo mundo tinha que falar na frente de todo mundo. Meu nome é tal, trabalhei com não sei o que, e você tinha que falar um pouco de informática. Windows, Intel, Multimídia, USB, Celeron, essas coisas. E eu não sabia o caceta, não sabia nada. Fui, todo mundo começou a falar, eu comecei a ficar nervoso, me deu diarreia, chegou na minha vez, eu falei olha, meu nome é tal, eu trabalhei com tal, mas, eu não vou mentir. Não sei nada de informática. Os caras olharam, meu que idiota esse cara. Aí no final, obvio que eu fui reprovado, e aí a mulher falou, olha, mas eu gostei muito da sua sinceridade. Você está reprovado, gostei da sua sinceridade, estuda informática, volta aqui que eu vou te dar uma oportunidade. Pensei comigo, estudar onde? Mas aí a curiosidade, você lembra que tinham as lojas Itaú Tech?

Luciano Pires: Sim.

Gilberto Lopes: Em São Paulo. Tinha uma na Paulista, tinha na Almeida Santos, tinha na Santa Efigênia. Eu via, quando eu andava de ônibus, pensei, não tenho dinheiro para pagar uma SOS computadores, mas existe as lojas da Itaú Tech. Vou ficar na porta, a hora que entrar um cliente, eu vou atrás, meio sombra, meio família, e eu ouço o cara, porque o vendedor vai falar o que que você precisa? É para trabalho, ou para estudo? Tem multimídia, ou não tem multimídia? Olha, tem esse Pentium, e tem esse MMX. Aí eu ia atrás do cliente, o vendedor começava a abordar, e fazia essa prospecção, essa filtragem das necessidades, e eu ia ouvindo aquilo. Aí fiz isso umas 4 vezes na Alameda Santos, até que me expulsaram. Garoto, você quer roubar a loja? Aí fui para a loja da Santa Efigênia, e fiz mais algumas vezes. E depois fui para um shopping na Raposo, que tinha uma loja lá também. Aprendi como que, antes de eu oferecer, Luciano, você quer esse Pentium aqui? Eu falo Luciano, você vai usar para que, né? Aprendi isso muito rápido. Voltei na entrevista. Aí falei, olha, antes de oferecer o produto, tem que pá pá pá. A menina, ótimo, aprovado. Aí eu fui aprovado para uma vaga de promotor de vendas da IBM. E me mandaram para a Fenasoft.

Luciano Pires: Sim, maior feira, uma loucura. Imagina você entrando no Anhembi, enlouquecido cara.

Gilberto Lopes: Aí cara, eu vendi tipo, 12 mil computadores durante a feira. Os caras, esse garoto é uma máquina. Quem apontar para mim, é uma felicidade. O cara chegava, quer o que amigo? Para você, sua filha, demonstrava. Pô, esse garoto... Vendia. Chegava empreendedor, estava feliz, aquela coisa que você falou, necessidade básica. Tinha um ar condicionado, tinha um uniforme, para mim, estava na Disney. Vendi horrores. Terminou o contrato, não, o cara é muito bom, bota ele aqui, deixa ele na equipe. Aí eu fui promotor de vendas, depois eu virei instrutor, eu era o cara que treinava os outros promotores. Aí depois eu virei supervisor, o cara que cuidava dos promotores. Aí eu virei coordenador, que é o cara que coordenava os supervisores. Depois eu virei gerente. Aí eu virei gerente comercial da agencia, que atendia IBM. Depois eu virei diretor, diretor comercial, e em 2000, eu virei presidente da empresa.

Luciano Pires: 2 anos depois?

Gilberto Lopes: 2 anos depois.

Luciano Pires: Cara, isso é uma carreira rapidíssima.

Gilberto Lopes: Foi. Era uma empresa familiar, enfim, tinha aí seus 1500 promotores, mais ou menos. E eu puta cara, eu estava na Disney, delirava. Eu fazia coisas, já como presidente de empresa, pegava um sábado, olha, vou passar o sábado na Fast Shop do Shopping Aricanduva. Metia um uniforme de promotor, e atendia, vendia. Aí chegava na época seu Milton e dona Mariene, os donos da Fast Shop. Pô, quem que é esse promotor aí? Não, não, ele é o presidente da empresa. Pô, o cara está aqui de promotor? E eu fazia isso com um baita prazer, né cara. E aí cresci para caceta. Nisso, fiquei 4 anos nessa empresa, e aí eu saí 2003 para 2004, por uma questão de remuneração, enfim, eu tinha uma participação nos lucros. E aí a empresa começou a crescer muito, e os caras vieram me fazer uma oferta para alterar isso.

Luciano Pires: É sempre assim. Aí chega uma hora, cresce o olho, começa a ganhar demais, você está ganhando muito, vamos lá mudar a comissão.

Gilberto Lopes: O lucro era R$ 1 milhão. Então eu dava R$ 990 mil reais para o dono da agencia, e R$ 10 mil reais era meu. Era essa a divisão, 1%. Então, o cara ganhava R$ 990 mil, e eu R$ 10 mil. E aí no outro ano, deu R$ 2 milhões. O cara ganhava R$ 1.980,00, e eu ganhava R$ 20 mil. Os caras me chamaram, você está ganhando muito dinheiro. Vocês estão de brincadeira, pelo amor de Deus. Vocês ganham 2 milhas, eu ganho R$ 20 mil. Estou ganhando muito dinheiro? É meu trabalho. Por ano, isso é por ano. Não é que era mensal. E aí não teve um acordo, os caras, a gente te deu uma chance aqui, você nem tem estudo. Eu falei, vou sair. Os caras, você não vai conseguir emprego nunca garoto, cai na real. Falei cara, vou sair. Saí, pedi demissão.

Luciano Pires: Você sabe que eu vivi uma experiência parecida no meu tempo de...

Gilberto Lopes: Sério?

Luciano Pires: Não para comigo, mas, uma indústria gigantesca, que tinha representantes, mercado de autopeças. E isso era cíclico cara, chegava uma época lá, os caras meu, olha quanto está ganhando o representante. Esse cara está ganhando muito dinheiro, precisamos mudar o jogo. E era batata, os caras davam um jeito de mudar o jogo, não... o problema não era o todo. Era que tinha alguém ganhando demais. Então, sou o diretor da empresa, ganho R$ 10 (mil). Esse representante que responde para mim, ganha R$ 25 (mil), que merda é esse? Vou cortar o barato dele. Iam lá, e toda vez era um jeito de reduzir o ganho do cara, que parece que é uma visão míope, né cara?

Gilberto Lopes: Totalmente. Pô, se tivesse um cara que me gerasse R$ 2 milhões por ano, e me custasse R$ 20 mil por ano, pelo amor de Deus.

Luciano Pires: Até R$ 40 (mil). Me gera R$ 4 milhões.

Gilberto Lopes: Enfim né cara, acho que você divide para somar. Enfim. E aí pedi demissão, fui procurar emprego, vários empregos, várias oportunidades. Eu tinha muita experiência, era bom no que eu fazia. E aí estava quase fechando com uma agencia, para ser diretor da agencia, e aí o cara na entrevista falou assim, isso era em 2003, o cara tinha 3 mil funcionários. Daí o cara falou, olha Gilberto, agora você vai pegar em uma fase melhor, que agora a gente tem um Excel controlando essa folha de pagamento. Eu pensei, nessa época, já falei, um Excel, controlando uma folha de pagamento de 3 mil pessoas. É isso mesmo? é. Beleza, chego em casa, estou jantando com a Lu, falei amor, rolou isso, isso. Ela falou, não, de novo, você trabalha nessas coisas 16 horas por dia, esses caras não estão nem aí, os donos, eles não enriquecem você não. Por que você não abre uma agencia? Eu falei, você está louca? A gente é pobre. A gente não é rico. Agencia demanda milhões de reais, em folha de pagamento. Ela falou, amor, você é novo, você é jovem, tenta, eu te ajudo. Se der errado, você volta a pedir emprego. Eu pensei, nunca tinha pensado em ter, imagina, bloqueio da minha cabecinha.

Luciano Pires: Dono da firma.

Gilberto Lopes: Dono da firma, você está louco. Na minha cabecinha, ser empresário, ia ser empregado pelo resto da vida, né cara. Aí pedi uma grana emprestada para a tia Valquíria, tia da minha esposa, nos emprestou R$ 30 mil reais. Até hoje falo desse cheque que ela emprestou para a gente. Aluguei na salinha na rua do (inint) [01:18:25.10], na Vila Olímpia. 2 por 2, eu e a minha esposa. E aí, começamos a agencia, a 4, que é a empresa que eu tenho hoje. Eu ia em um cliente, outro cliente, outro cliente.

Luciano Pires: Que era uma agencia de promoção de vendas?

Gilberto Lopes: Isso.

Luciano Pires: O pessoal terceiriza para você.

Gilberto Lopes: Isso.

Luciano Pires: Toda vez que eu entro em uma loja qualquer, entro em uma Magazine Luiza, tem ali um promotor com a roupinha da marca, ele não é funcionário da Magazine Luiza, ele é funcionário seu.

Gilberto Lopes: Isso.

Luciano Pires: Que você o treina para ele fazer. Ele não vai te vender, mas ele vai explicar o que é, ele vai botar em primeiro plano, ele vai convencer você a comprar a marca.

Gilberto Lopes: Isso. Por exemplo, promotor de vendas da HP, ele não é funcionário da Magazine Luiza, não é funcionário da HP, funcionário meu, CLT, terceirizado para a HP. E ele demonstra, isso é promoção de vendas. Existem hoje no Brasil, mais ou menos meio milhão de pessoas trabalhando nessa função.

Luciano Pires: Que é uma escola fabulosa.

Gilberto Lopes: Genial, exatamente.

Luciano Pires: Para tudo.

Gilberto Lopes: Você aprende psicologia do consumidor, a entender as famílias. Vão famílias comprar juntos, meu pai quer uma coisa, minha mãe quer outra, a criança quer outra. É um MBA do varejo, é esse negócio. É muito interessante. Aí cara planejei lá, abri, e fui nos clientes, tudo multinacional que eu já conhecia os caras. Fui na Microsoft, pô Giba, legal para caramba cara, você é muito bom, quais são só clientes que você tem hoje? Não cara, não tenho nenhum, acabei de abrir. Então Giba, não posso por aqui na Microsoft, uma agencia que não tem cliente cara. Quando você tiver cliente, volta.

Aí fui na Intel. Intel, vamos conversar? Quais são seus clientes Giba? Não tenho cliente, cara. Fui na Adidas, quantos clientes? Falei Lu, fudeu cara, a gente não consegue trabalhar. Fiquei assim 9 meses. Acordava de manhã, vestia um terninho, ia para o escritório, ficava olhando o telefone, olhando para o site. Minha esposa, cara, você enlouqueceu. Não vai acontecer nada, você ficando dentro do escritório. Não vai cair do céu um cliente.

Puta bicho, um dia, eu tinha trabalhado para a Palm Palace, Atricon, inventou o celular, inventou o smartphone antes de todo mundo. Eu tinha atendido os caras. O Alex Szapiro, hoje ele é CEO do Softbank, aqui na América Latina. Ele era CEO da Amazon, e lá em 2000, ele era o CEO da Palm. Daí eu procurei o Szapiro, e ele era bom de negócio. Falei cara, estou com um problema, eu não consigo atender ninguém, porque eu não tenho cliente. Quero te propor uma coisa ousada.

Luciano Pires: Ele não te conhecia?

Gilberto Lopes: Me conhecia. Eu tinha atendido ele na outra agencia, mas, ele também tinha a mesma questão, o processo de procurement lá de compra deles, exigia, por exemplo, a empresa anterior tem que ter 5 anos de experiência. DRS, tinha que contabilmente comprovar quanto que você faturava. Enfim, tinha um processo bastante criterioso, sério, para evitar aventureiros, novatos, e apor aí vai. Eu cheguei para ele, falei cara, quero te propor um negócio. Eu trabalho de graça para você. O cara, o que? De graça, porque qual o modelo desse negócio Luciano? Eu tenho lá 100 promotores para uma empresa. Então, eu cobro do cliente o salário, os encargos, vale refeição, vale transporte, e uma taxa administrativa, que é meu lucro, para fazer esse negócio todo. Então, vamos supor, tem uma taxa de 10%. Esse é o valor que eu cobro, é meu lucro bruto, essa é a minha grana. Eu falei, eu faço isso para você, com uma taxa zero. Aí o Szapiro, pô Giba, você está louco? O que que está acontecendo? Eu falei, cara, se eu não tiver um logo, minha empresa vai falir. Eu estou há 9 meses tentando fazer, não consigo. E aí conversou, ele falou, me dá uns dias para pensar. Ele conseguiu aprovar lá dentro, falou vamos embora. E aí peguei os promotores da Palm, a gente demonstrava a Palm Pallet com a canetinha, né? Na Casas Bahia, Ponto Frio, em tudo quanto é lugar. Com um logo, aí eu voltei nas empresas que não queriam trabalhar comigo, apresentei, e gradativamente fui pegando os contratos, e aí a coisa foi crescendo.

A gente foi, sei lá, primeiro ano, acho que a gente faturou R$ 800 mil reais, com meia dúzia de funcionários, o ano inteiro. E depois teve um pico já em 2015, 2014, de R$ 100 milhões. Ai já estava com muita gente, enfim.

Luciano Pires: Que você pegou o timing. Você pegou um timing fantástico, né cara, porque você... você pegou exatamente o timing que as empresas sacaram que aquele caminhão de dinheiro que elas estavam botando em reclame na televisão, propaganda de televisão, ele não era, ele não tinha eficiência. Era muita conversa, muito papo de publicitário. Eles sacaram que ali no ponto de venda, é que o bicho pega. Na hora de decisão, e começou a haver a transição do dinheiro.

Gilberto Lopes: Isso.

Luciano Pires: Menos anúncio na televisão, e mais dinheiro no ponto de venda.

Gilberto Lopes: E foi exatamente isso. E somado a isso, a indústria inteira entendeu o quanto que a tecnologia agregava valor ao produto, e começou a bombar de tecnologia. Então, se tem itens, você pega o telefone celular, o negócio tem mais de 100 funcionalidades diferentes. Então, hoje para você ter uma ideia, uma smart tv é uma venda que a gente leva 45 minutos, explicando as funcionalidades. Você liga pelo controle, você liga por gesto, você liga por voz, você liga remotamente. Ela está conectada na nuvem, ela tem o networking dela mesmo, entra a rede a cabo, enfim. Uma máquina de lavar, por exemplo hoje, que tem aplicativo, tem wifi, a gente leva 50 minutos para explicar como utilizar uma máquina de lavar. Então, o latino, o indiano, o russo, eles têm baixo conhecimento dessas funcionalidades dos produtos. O americano e o europeu não, eles compram sozinhos, leem muito review, mas aqui no Brasil não. Você entra em uma loja de uma Fast Shop, tem sei lá, 30, 40 vendedores, a loja, e tem 80 promotores de marcas demostrando. Aí toda aquela experiência diferenciada, que te ensina.

Luciano Pires: A sua empresa, é uma empresa de educação, cara.

Gilberto Lopes: É.

Luciano Pires: Você está no ramo de educação, você não está no ramo de promoção de vendas. Educação, cara.

Gilberto Lopes: Exatamente. Teve uma vez muito legal, quando existia ainda a câmera digital, eu cuidava dessa área para a Samsung, eu tinha 100 pessoas dedicadas em câmeras, câmeras digitais. E aí eu cheguei para o presidente da Samsung e falei, cara, se os nossos promotores forem fotógrafos, forem usuários, a venda vai ser outra. O cara, pô Giba, você é muito louco, mas vamos aí. Aí a gente contratou uma empresa, criou um curso de fotografia, com fotógrafos, pegou os 100 promotores, e fez 1 semana de uma jornada. Os caras fizeram tour em São Paulo, andando, tirando foto.

Luciano Pires: Aprendendo a usar o produto.

Gilberto Lopes: Macro, abertura de lente, e passou, e colocamos os caras nas lojas. Cara, o promotor chegava e falava, o senhor não abe, eu tive no templo budista em Barueri, e eu usei aqui essa panorâmica...

Luciano Pires: Olha a foto aqui.

Gilberto Lopes: Isso.

Luciano Pires: Eu tirei.

Gilberto Lopes: O consumidor ficava, esse cara não é um promotor, ele é um fotógrafo amador. Então, eu sempre fui muito dessa escola de que a pessoa que usa aquilo, que realmente conhece o produto, tem um story telling, tem uma outra história para contar. E aí, deu supercerto. Cresceu horrores, eu jamais imaginei que fosse ficar desse tamanho.

Luciano Pires: Você chegou a quantos funcionários?

Gilberto Lopes: O pico, 1600 pessoas.

Luciano Pires: 1600 CLT?

Gilberto Lopes: 1600 CLT, sempre CLT.

Luciano Pires: Isso é muita coisa, muita gente. E sem ter um background de empreendedorismo, de nada.

Gilberto Lopes: De nada cara, tudo aí.

Luciano Pires: O dia que te falaram que existia uma planilha Excel para gerenciar folha de pagamento, você o que? Como que é?

Gilberto Lopes: Eu sempre fui muito curioso, mas, eu não tinha conhecimento de matemática, de finanças, jurídico, nada disso. Enfim, não estudei. Mas, eu sempre fui curioso para caceta, e minha mãe sempre falava que eu ia ter que trabalhar mais que todo mundo, para ter meu espaço. Então, eu fui aprender sobre finanças. Eu coloquei um RP muito cedo na minha empresa. Então, todas as agências rodavam em Excel, e eu já tinha um software de automação, Totus. Na minha empresa, sempre teve muita automação, sempre lia muito, e queria que tivesse...

Luciano Pires: Mas você foi buscar gente? Cara, eu sou mal de finanças. Eu vou pegar um cara de finanças, vou botar aqui.

Gilberto Lopes: Fui.

Luciano Pires: Você fez isso.

Gilberto Lopes: Fiz. Tem uma CFO, está comigo há 18 anos. Tem um ex-promotor, eu tenho 3 sócios, que são ex-promotores. Então, o cara era meu primeiro promotor, foi crescendo, olha cara, toma aqui um pedaço da empresa para você. Então, tem um sócio meu que cuida de jurídico, TI, administrativo. Ele tem GV, tem MBA, fala 3 idiomas, enfim. Então, cuida de tudo isso. Tem outro sócio de operações. E eu tenho sócio de tecnologia, desenvolvimento de aplicativo e tudo mais. Então, eu fui buscar várias pessoas, que eram especialistas nesses outros pilares que eu não domino, e tive que aprender o macro, para poder trabalhar. Mas, eles que tocam todo dia.

Luciano Pires: 1600 pessoas. Você bateu o faturamento de que? R$ 100 milhões, foi isso?

Gilberto Lopes: R$ 116 milhões.

Luciano Pires: Tudo redondinho, tudo funcionando muito bem?

Gilberto Lopes: Tudo redondinho. Pagando imposto para caceta.

Luciano Pires: E aí o chinês come o morcego.

Gilberto Lopes: E aí o chinês come o morcego, e eu mando embora 700 pessoas.

Luciano Pires: Então cara, como é que é essa coisa de você... ninguém sabia direito o que era. A gente, vai ter, fecha, dá um jeitinho aí. Como é que foi? Como é que você começou, no momento que você percebe que cara, o negócio é muito sério, porque eles estão fechando as lojas, onde meu promotor está. E eu não posso simplesmente dizer, Zé, não vai trabalhar hoje, fica em casa aí, até amanhã. Espera uma semana aí, daqui uma semana você vai. Porque quando eu faço isso com 3, 4 funcionários, é uma coisa. Com 1600, como é que foi isso aí, cara? Quando caiu a ficha que o bicho ia pegar?

Gilberto Lopes: Eu já tinha passado por hiperinflação, por impeachment, por dólar explodindo, por Lula, Temer, Joesley, enfim, eu já tinha aprendido que o Brasil é uma montanha russa, sobe e desce, é cíclico. Então, eu sempre me segurava no meu coqueiro, porque eu sabia que o tsunami ia passar, e no dia seguinte eu recomeçava a minha vida. Então, estava tudo ok. Até que veio o COVID, fechou todas as lojas no Brasil. Então, da noite para o dia, 99% dos meus funcionários não podia trabalhar. Porque o ponto de trabalho de um promotor de vendas, é uma loja. Ele não pode fazer home office, isso não existe. Ele precisa estar em uma loja. Então a primeira semana, segunda semana, estava tudo ok, os clientes pagando, enfim. Cara, quando deu 1 mês disso daí, porque assim, esse é um serviço caro, né, custa R$ 2 milhões por mês, R$ 3 milhões por mês. Os clientes começaram a me ligar. Giba, estou com dificuldade de pagar aqui, porque não tem serviço. Não cara, essa equipe eu contratei exclusivamente para a sua empresa, e não tem como você não pagar. Mas, você está entregando serviço Giba? Falei não, não estou, porque as pessoas estão em casa. Mas, é a lei, eu não controlo. Não tem o que eu fazer, é Anvisa, governo, não tem o que eu fazer. Olha, vamos ter que rever. Aí eu comecei a pirar, comecei a beber muito vinho, porque eu comecei a ver a minha empresa derreter na minha frente, entendeu? Começou manda 50 embora, manda 30 embora, manda 120 embora, manda 180 embora. Eu falei, cara, vai derreter. Eu tenho um serviço que é essencialmente presencial. Um ser humano, atendendo outro ser humano, no momento onde não pode ter contato presencial de seres humanos. E aí foi uma pedreira, assim, o momento mais difícil que eu passei com a empresa até hoje, porque eu tinha certeza que eu ia falir, certeza. Eu falei, cara, se ficar 6 meses desse jeito, não tem como. É assim Luciano, você precisa de R$ 10 mil, você arranja. Você precisa de R$ 100 mil, você arranja. Bicho, chegar no banco e pedir R$ 6 milhões emprestado, e não é que você vai comprar uma máquina agrícola.

Luciano Pires: Não, você vai consumir na hora.

Gilberto Lopes: Você precisa do dinheiro.

Luciano Pires: Daqui há 3 meses, você vai precisar de mais R$ 6 milhões.

Gilberto Lopes: Daí a gerente do banco, claro Giba, você tem um imóvel de R$ 6 milhões para dar como garantia? Não filha, não tenho imóvel de R$ 6 milhões. Você tem um quadro de R$ 6 milhões? Não tenho, mas, eu preciso do dinheiro para fazer a folha. Porque meu prazo de receber do meu cliente é 90 dias. Então, você tem toda essa pedalada aí, para a coisa acontecer. E cara, foi terrível, a gente mandou muita gente embora, ficamos bem loucos, eu e meus sócios. E aí começou a reabrir as lojas, com todo um protocolo de segurança, com máscara, gel, não sei o que, a gente começou a experimentar. Não resolveu, porque as lojas abriram, os promotores foram, mas os clientes não foram.

Luciano Pires: Não tinha cliente, sim.

Gilberto Lopes: Então, foi bem complicado. Paralelo a isso, o e-commerce explodiu. Então, muita empresa começou a se questionar, para que que eu estou pagando promotor?

Luciano Pires: Se os caras estão comprando pelo e-commerce.

Gilberto Lopes: Exatamente. Então, eu saí do COVID 60, 70% menor, sobrevivi, como eu falei aqui no começo, eu não sou deslumbrado, então, eu não tinha luxos. Eu sempre tive muita liquidez, porque eu sabia que o Brasil era cíclico, e eu não estava alavancado, não estava devendo. Então, me agarrei no coqueiro. A hora que voltou, eu estava vivo, sem dívida, e eu consegui retomar. Mas, foi por um fiapo, que o negócio não fechou.

Luciano Pires: E aí te deu um insight no meio do caminho, de que deve ter um jeito de fazer promoção de vendas para e-commerce.

Gilberto Lopes: Deu. Mas, sendo sincero, como eu sempre sou, não foi uma genialidade, não foi insight, foi o ato mais profundo de desespero que eu já tive na minha vida, bebendo, falei cara, minha empresa não vai falir. Não é possível que eu vim da desgraça que eu vim, e agora esse maldito desse vírus, vai acabar com a minha vida. Estou falando com o meu time, falei gente, espera aí. Tomando vinho. Sabem o Zoom? A gente não faz reunião por vídeo? Faz. Por que que não tem o Zoom do promotor? Aí os funcionários tudo olhando no vídeo assim, tipo, mano, o chefe tá muito louco. O cara está bebendo todo dia, perdeu a linha. Falei não moçada, tem que ter. Por que que a gente fala por vídeo, e o promotor não pode falar para o cliente por vídeo? Giba, isso não existe, você está muito louco. Falei, vamos fazer o seguinte? Vamos pesquisar. Nada mais no mundo não tem. Tudo tem. É só achar onde tem. Vamos pesquisar essa porra. Aí começamos a pesquisar. Achamos, no Canadá tem uma solução assim, na Índia tem não sei o que, na Alemanha, estão usando não sei o que. Tá, 3 semanas, os caras fizeram um [mock-up], tipo de um Zoom, só nosso, aí eu fui na HP, falei HP, tem um negócio que ninguém tem na América Latina. Tenho um atendimento por vídeo. Como assim, você está louco? Falei não, sabe quando você entra em um site, e você vai comprar um produto, você está com dúvida, sobe um chat, e você conversa com um chat, robô ou humano? Sei. Nosso é igual, só que é vídeo. Vai ter o promotor, o José, lá na casa dele em Itapecerica da Serra, falando com a cliente. Mostra para a gente. Mostramos funcionando. A HP, adorei Giba. Vamos implementar imediatamente. Implementamos.

Luciano Pires: Cara, as profissionais do sexo fazem isso há anos. Você paga, entra em contato, ela te atende ali na boa.

Gilberto Lopes: Exatamente. Aí cara, a gente implementou, e eu falei pô, vamos salvar a empresa. Mas, até aí Luciano, eu estava buscando um remédio, que eu estava na UTI. Então, o lance era curar a minha dor, não conseguia ver além disso. Um cliente pegou, outro cliente pegou, a gente implementou na Kalunga, o negócio começou a bombar. Eu falei, gente, foi. Estou lá com meu sócio, falei espera aí cara, acho que a gente tem um outro negócio aqui. Como assim? Não, isso aqui é um outro negócio, é uma outra coisa. Aí a gente criou uma empresa a parte, criou um CNPJ a parte, separou tudo, contratou uma equipe a parte, e botou. A empresa chama My Helper, vídeo chat. E aí a gente começou a vender a ferramenta.

Luciano Pires: Você não está vendendo serviço de...

Gilberto Lopes: Não.

Luciano Pires: Você está vendendo agora, a ferramenta?

Gilberto Lopes: Isso, criei uma empresa de software, e solução. SAS. E aí a gente começou a vender, HP implementou, Logitech implementou. A gente fechou com uma empresa de internet na Argentina, em Buenos Aires, está rodando lá. Aí agora a Multilaser implementou. A Bic está implementando agora, para a volta às aulas. Coloquei em algumas ONGs, enfim, e aí o negócio cresceu. Então, como que funciona hoje? Você consegue ser atendido por vídeo, em tempo real, em e-commerce. Vários sites que você entra, está lá. Fale ao vivo. Porque é muito melhor, é orgânico falar.

Luciano Pires: A pior coisa do mundo, é você entrar naquele chat automatizado, sequência de perguntas. Meu, pelo amor de Deus, eu queria alguém que me escute.

Gilberto Lopes: Quer ver as coisas incríveis? Por exemplo, pessoas C e D que não lidam muito bem com teclado, não sabem escrever corretamente. Acaba esse problema, porque ela fala. Pessoas de idade, que não tem muito acesso à tecnologia. Acaba esse problema, porque ela fala. Então, tudo orgânico. Você vai lendo as expressões do cliente, se atendeu, não atendeu.

Luciano Pires: É um ser humano cara, estou conversando com um ser humano.

Gilberto Lopes: É. E além dessa parte do online, que é através de computador, surgiu uma outra coisa. Imagina que você está em uma loja de vinhos, você Luciano Pires, está olhando um vinho, e aí não tem, a pessoa está ocupada, não tem ninguém para te atender. Na garrafa, tem um QR Code, na garrafa de vinho. Lá, está escrito, scaneie esse QR Code, e fale com o nosso sommelier. Você pega a garrafa, bate seu celular, aparece na hora o Ernani, que é o sommelier, lá de Buenos Aires, e te dá um atendimento ao vivo. Então, a gente também trouxe para offline, esse atendimento ao vivo, entendeu?

Luciano Pires: Sensacional.

Gilberto Lopes: De qualquer lugar.

Luciano Pires: Isso significa que o Ernani tem que ter o equipamento, tem que estar em um local. Ele tem que estar disposto a ser chamado a qualquer segundo.

Gilberto Lopes: Isso. O Ernani, ele vai estar em qualquer lugar do mundo, que tenha internet, com uma câmera, e uma iluminação. Ponto. Isso permitiu que a gente contratasse cadeirante. Hoje, eu descentralizei a contratação, então, antes eu só podia contratar São Paulo. Agora não, eu contrato em Quixeramobim da Serra, não tem problema nenhum. Porque a pessoa só precisa de uma conexão com internet.

Luciano Pires: Eu costumo dizer, uma das consequências da pandemia, vai ser uma distribuição de renda inigualável, como nunca houve na história.

Gilberto Lopes: Exatamente.

Luciano Pires: É uma consequência dela. Porque de repente, o cara de Quixeramobim está recebendo um salário de quem... de grandes centros, de São Paulo.

Gilberto Lopes: Isso.

Luciano Pires: Você está pagando para um cara lá, o que você paga para um cara daqui, porque não tem diferença, para você como prestador de serviço, é a mesma coisa. E de repente, em Quixeramobim, começa entrar um recurso que só entraria se o cara tivesse em São Paulo.

Gilberto Lopes: E o brasileiro está adorando, porque é ao vivo, é real, é outro brasileiro, é conversa, fala, se expressa, é rápido. A gente levava para vender uma impressora talvez 20 minutos por WhatsApp, a gente faz isso por vídeo em 3 minutos. É muito melhor para o consumidor. Você imagina, pô Giba, essa geladeira é boa, eu te mando um PDF no WhatsApp. Você vai ler tudo aquilo? Não. A gente tem uma tecnologia que tem um PowerPoint na tela. Então, a gente demonstra a geladeira, abre a geladeira, enfim. Então, tem tudo isso. A empresa está indo superbem, e agora vão se desdobrando as oportunidades, né Luciano? A gente está implementando aqui na Telha Norte, em São Paulo, uma loja na marginal Pinheiros, 10 vendedores, vão ter esse aplicativo, e aí você está no e-commerce, você está vendo um produto, e você quer tirar dúvida, por exemplo, sobre uma luminária. Ao invés de você falar por vídeo com a atendente que está no escritório, você fala por vídeo com o vendedor que está lá na loja. Aí ele te atende por vídeo, ele vai até a sessão das luminárias, carregando o celular na mão, em um tripé, pega a luminária na mão, olha seu Luciano, essa é a luminária. 

Luciano Pires: Sensacional.

Gilberto Lopes: É, estamos fazendo isso. E agora, a ente também está implementando atendimento em libras. Então, a gente tem 10 milhões de surdos no Brasil, esses surdos não conseguem falar por telefone, por razoes obvias. E aí o que que nós vamos ter? Atendentes bilíngues, falante em português, e falante em libras. Então, o surdo entra em um site, clica, quero falar ao vivo em libras, e aparece alguém lá sinalizando com as mãos, e atende esse surdo para fazer a compra dele.

Luciano Pires: O mercado de profissionais de libras, exponencial, porque esse negócio bomba.

Gilberto Lopes: Exatamente. Então agora estamos desdobrando outras coisas. E aí cara, volta lá no comecinho da história, que a dona Conceição sempre falou, de trabalhar mais, esse espírito de sobrevivência, uma crise que quase me matou, me transformou, me digitalizou, e abriu todo um outro mundo de possibilidades.

Luciano Pires: Está acontecendo a mesma coisa comigo, exatamente igual. Eu que até a crise aparecer, eu era um palestrante, que fazia palestras presenciais. E ela me obriga a revirar. Então, quando terminar essa loucura toda, a gente voltar ao normal, eu volto com a palestra presencial, mas eu tenho online, tenho curso online, tenho a estrutura, tenho uma porrada de coisa que foi criada, porque a crise exigiu. Como que é? A necessidade é a mãe da invenção.

Gilberto Lopes: Exatamente. 

Luciano Pires: Cara, para terminar o nosso papo aqui, que a gente podia ir horas e horas aqui. Eu sei que você dedica uma boa parte do seu trabalho aí, também pra questões sociais, tudo mais. Você estava junto com o pessoal do Gerando Falcões, o que que é que você está fazendo, e como é que funciona isso?

Gilberto Lopes: Lá em 2015, no Epicentro que teve essa (inint) [01:40:41.04] com as mulheres sobre a questão da violência doméstica, eu não dormi na noite posterior a palestra. E eu entendi que eu precisava usar a minha história para alguma outra finalidade, não só para enriquecer, enfim. E aí eu procurei instituições, que eu pudesse ajudar. Comecei, o primeiro contato foi com Gerando Falcões, com a ideia de contar a história de um garoto, preto, semianalfabeto, não foi parar no tráfico, não foi parar no crime, não foi parar preso, também não morreu. Que não é porque você nasceu naquele caos, que você precisa morrer naquele caos. Dá para mudar a história. Então, a ideia era essa, era dividir essa história com outros adolescentes, inspirar a garotada a ir atrás. E aí eu me envolvi com o Gerando Falcoes, comecei a trabalhar com eles. Depois do Gerando Falcões abriu uma área para egressos, e egressos do sistema prisional, chamado Instituto Recomeçar. Aonde a gente recebe pessoas que pagaram suas penas no sistema, saem, e aí o cara sai de lá, não consegue se empregar, enfim, acaba reincidindo. Então, a gente treina, qualifica essa pessoa, e emprega essa pessoa, para ela não reincidir, para ela não voltar para o crime. E aí comecei a me envolver. Então, hoje eu trabalho com o Gerando Falcões, que é uma ONG grande. Trabalho com o Instituto Recomeçar, sou conselheiro investidor lá. Trabalho com uma instituição chamada Fala Mulher, que trabalha no enfrentamento a violência contra a mulher. A gente tem 5 abrigos secretos. E aí a gente retira a mulher da casa do agressor, e leva para esse abrigo secreto. O agressor, ele bate nela em casa, daí ela vai para a casa da mãe. Ele vai até a casa da mãe, bate nela e na mãe. E ela vai para a casa da irmã. Aí ele vai batendo em todo mundo, uma coisa louca. Então, a gente tira a mulher e as crianças, e leva para esse abrigo secreto. Trabalho para uma instituição em São Luís do Maranhão, chamada Cores do Mará, que é um Estado muito pobre lá. E a gente ajuda. E ajudo os meninos do Episurdo. O Episurdo surgiu em 2020, no Epicentro, e o Episurdo é um evento de empreendedorismo para surdos. Então, estou envolvido com essas causas, gosto bastante de fazer esse trabalho. Levo, enfim, uma parte intelectual, uma parte financeira. E também tecnologia. A gente estava desenvolvendo uns Totens, para quando uma pessoa, por exemplo, um surdo está em um aeroporto. E aí ele precisa pedir ajuda, não consegue, ninguém fala libras. Então, ele vai, clica no Toten, aparece no vídeo lá um atendente em libras para conversar com ele. Então, vou vendo um pouco das tecnologias que eu crio, para fazer grana, né? E como é que eu posso replicar elas também, para negócios sociais. E me dá um baita tesão fazer isso aí. Enfim, aí hoje, é sei lá, 10% da minha renda anual, realoco aí para esses fins, sem ser um militante, sem ser um ativista, sem ficar enchendo o saco de ninguém. É minha grana, meu tempo, eu faço. Tem gente que me liga, legal, eu quero fazer também. Beleza, mas não fico enchendo o saco de ninguém para fazer. Faço, porque eu acredito que é bacana mesmo, acho que cada um de nós poderia fazer um pouquinho, alguma coisa. É isso.

Luciano Pires: Dona Conceição, meus parabéns a senhora, fez direitinho.

Gilberto Lopes: Ela era conhecida como Conception.

Luciano Pires: Conception, dona Conception, dona Conceição, meus parabéns. Giba, que baita história cara. Dá para a gente ficar aqui horas e horas. Tem muita coisa para contar, e eu olho você de longe, admiro de montão seu trabalho, e fico feliz. Vou até pular uma parte, que eu queria te... mas uma outra hora, você vai voltar aqui, a gente vai falar. Eu quero que você me conte da sua mudança de São Paulo, para Curitiba. Você é o terceiro cara, que eu conheço, que enfiou as coisas, que fez uma experiência, deixa eu ver como que está no Brasil, deixa eu ver IDH, onde é que está o melhor lugar para morar. E de repente, você se manda para Curitiba. Você é o terceiro, em questão de 6 meses, que eu converso, que botou as coisas no carro e se mandou para Curitiba. Uma hora dessas, eu vou te chamar para a gente conversar. 

Gilberto Lopes: Com todo o prazer. Estou lá.

Luciano Pires: Quem quiser te encontrar, quem quiser conhecer, quiser saber do seu trabalho, onde é que acha?

Gilberto Lopes: No Instagram, Gibaahh, e aí estou no Linkedin é só procurar, Giba4, e no Facebook também Giba4. Só procurar nesses canais, que encontra rapidinho. Não vai encontrar foto com carrão, não vai encontrar foto com Rolex, mas tem histórias reais bem divertidas lá.

Luciano Pires: Meu caro, que delícia, que baita papo.

Gilberto Lopes: Obrigado pelo convite.

Luciano Pires: Vamos nos cruzando aí nos palcos do Epicentro.

Gilberto Lopes: Agora, não vai poder falar mais, tá me devendo uma entrevista.

Luciano Pires: Isso aí, que legal.

Gilberto Lopes: Muito bom. Obrigado Luciano, parabéns pelo seu trabalho. Vamos lá, valeu.

Luciano Pires: Vamos tocando.